Para onde vão os dados da USP?

Corte de armazenamento ilimitado do e-mail institucional gera incertezas e preocupações para comunidade USP

Por Cecília de O. Freitas e Tulio Gonzaga

Na primeira quinzena de maio, a Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) anunciou à comunidade da Universidade de São Paulo (USP) a interrupção do armazenamento ilimitado das contas Google – que abrange os arquivos do Drive, Gmail e Fotos – vinculadas ao e-mail institucional USP, a partir do dia 18 daquele mês.  

A descontinuidade do serviço implica no limite de 20 gigabytes de armazenamento na conta associada ao e-mail USP para alunos, alumni (ex-alunos) e servidores técnico-administrativos; de 100 gigabytes para docentes aposentados e contas institucionais; e 1 terabyte para docentes ativos. As contas institucionais são assim categorizadas por serem usadas por grupos ou caixas postais.

As contas que ultrapassarem o volume estipulado estarão impedidas de criar e atualizar arquivos. Além disso, o serviço de Drives Compartilhados será interrompido, o que acarreta na remoção de todos os arquivos contidos nestes espaços.

Os comunicados informam ainda que o Google decidiu pela interrupção do serviço prestado gratuitamente à USP. O armazenamento – bem como o processamento e transferência – de dados foi oferecido pela corporação no Termo de Cooperação Técnica, assinado em novembro de 2016 por Vahan Agopyan, então vice-reitor na gestão Marco Antonio Zago.

Com duração de 60 meses, o termo foi renovado em dezembro de 2021. Embora o comunicado não informe a duração do novo acordo , o contrato entre as partes permitia a rescisão do termo a qualquer momento, mediante aviso prévio de pelo menos 30 dias.

Além da renovação, a STI comunicou, por meio de ofício na época, que o serviço de armazenamento ilimitado seria vigente somente até dezembro de 2023. A Superintendência ainda salientou que, a partir de 2024, a USP forneceria volume adicional com recursos próprios. 

Futuro dos dados

Um novo serviço de armazenamento de dados para atender às demandas acadêmicas da Universidade foi contratado, de acordo com a STI. O contrato firmado com a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp) “tem como principal pressuposto a independência da USP para o gerenciamento de seus dados”, informa o e-mail da superintendência.

As contas de alunos e ex-alunos que permanecerem acima do limite terão seus arquivos em excesso removidos. Por outro lado, a STI garante que somente o volume de dados excedente em contas institucionais – que antes estava armazenado em servidores do Google fora do Brasil – migrará para o “Google Cloud Platform”, serviço de armazenamento em nuvem contratado pela Prodesp, mediante indicação dos docentes das pastas e arquivos que deverão ser realocados.

Caso haja demanda acadêmica superior ao volume definido pelo Google, as unidades devem enviar uma solicitação ao órgão da USP, conforme o Ofício 0062/2023, encaminhado aos respectivos dirigentes em abril de 2023. Questionada pelo Jornal do Campus sobre as manifestações, a STI comunicou que as solicitações das unidades ainda estão em processo de compilação, organização e classificação. 

A Superintendência assegurou que atuará dentro de suas atribuições: “Podemos adiantar que todas as solicitações acadêmicas e administrativas, desde que tenham as devidas justificativas, serão atendidas”. Análises individuais também podem ser solicitadas ao serviço de atendimento da STI.

Dependência

De acordo com o professor Ewout ter Haar, do Instituto de Física (IF), o termo de cooperação criou uma dependência entre a Universidade e o Google. “Como várias pessoas avisaram na época, o termo de cooperação levou a um atrofiamento da capacidade da USP de gerir seus próprios dados de pesquisa e a perda de controle sobre seus sistemas de email e outros serviços de comunicação”, explicou. 

Essa não é uma experiência isolada. Pesquisadores já apontam uma tendência ao chamado “colonialismo digital”: quando países e empresas privadas em posição de liderança digital estabelecem relações de subordinação sobre países periféricos, pouco inseridos ou emergentes no desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação. 

No caso da USP, a supressão do sistema de armazenamento de dados, informação e comunicação anterior ao termo de cooperação com o Google foi alvo de questionamentos e críticas voltadas à falta de transparência e instabilidade de segurança por entidades como a Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp). Em 2020, a associação entrou com um pedido de acesso à informação para a Reitoria da USP, contendo 42 perguntas relacionadas ao fluxo, captação e armazenamento de dados pessoais dos estudantes, docentes, pesquisadores e funcionários da Universidade. Em seu site oficial, a entidade afirma que nunca obteve resposta. 

Os especialistas defendem a criação de estratégias para garantir o controle  e independência dos serviços de comunicação e informação da Universidade, além da proteção dos dados acadêmicos. “Instituições como a USP não podem deixar atrofiar sua capacidade técnica e organizacional de manter sua própria infraestrutura sobre a qual docentes vão desenhar suas experiências educacionais. O uso de plataformas de terceiros deve ser analisado estrategicamente e com uma visão técnico-política de longo prazo”, afirma Ewout ter Haar.

O docente sugere que a Universidade recomponha sua capacidade técnica de manter, gerir e desenvolver sua infraestrutura computacional para oferecer as ferramentas necessárias de ensino, pesquisa e extensão à comunidade USP, de forma independente de qualquer provedor de serviços em particular.