
Dentro do IPT, no coração da Cidade Universitária, Inteli cobra mais de R$ 6,7 mil por curso,faz parcerias com a USP e tem relação complexa com a comunidade
Por Ester de Brito, Gustavo R. Silva e Mariana Rossi
“Não consideramos que estamos dentro da USP. A gente se considera dentro do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), na Cidade Universitária”. É assim que o Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli) se reconhece, nas palavras de Maira Habimorad, presidente da instituição. Fundado por André Esteves e Roberto Sallouti, ambos sócios do banco BTG Pactual, o Inteli é uma faculdade privada focada em tecnologia, localizada no IPT – que está dentro do maior campus da USP.
De variadas maneiras, trata-se de um corpo estranho na Cidade Universitária. Com cursos que chegam a custar mais de R$ 6,7 mil, a criação da faculdade privada dentro do Campus se originou de uma chamada pública organizada pelo governo estadual. Mas provocou protestos contra uma suposta privatização dos serviços públicos, oferece graduações em duplicidade com as da USP e mantém relação distante com a infraestrutura e os serviços do campus.
Segundo Maira, o instituto se originou de interesses filantrópicos. Mas, para além da filantropia, os investidores também buscavam desenvolver mão de obra qualificada em tecnologia para suprir as necessidades do mercado, uma vez que o próprio BTG estava passando por uma transição para o mundo digital.
A faculdade privada se instalou no prédio mais antigo da Cidade Universitária, localizada no IPT, através de um chamamento público feito pelo projeto IPT Open Experience, iniciativa do Governo do Estado de São Paulo que convida diferentes empresas de tecnologia, com e sem fins lucrativos, a se instalarem no Campus. A medida é descrita como a construção do “Vale do Silício” brasileiro.
Dentro desses mesmos critérios, no início deste ano, o Governo divulgou que o IPT também abrigará um polo da Google. O prédio da multinacional norte-americana deve ser inaugurado em 2026.
A Prefeitura do Campus considera que a Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira (CUASO) abriga cerca de 39 Unidades. Dentro desta conta estão instituições que, como o IPT, não estão necessariamente vinculadas à USP. São os casos do Instituto Butantã, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), da Fundação SEADE, entre outros.
Relação com a comunidade USP
A notícia da implantação do Inteli não foi bem recebida pelos alunos da USP em 2021. Na época, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) publicou uma carta, assinada por mais de 40 entidades estudantis dos diferentes campi da Universidade, se posicionando contra a instituição, que, de acordo com o texto, aprofundava o processo de privatização dos serviços e espaços públicos.
A carta incitou uma mobilização, provocando um protesto na frente do IPT. De acordo com Maira, “o Inteli tentou uma aproximação com o movimento estudantil, mas eles não quiseram sentar para conversar”.
“Tem um equívoco de acharem que, por ter como fundadores sócios do banco BTG, acontece uma exploração comercial. Mas isso não é verdade, porque o Inteli não tem fins lucrativos”, afirma Maira. “Outro equívoco é que o espaço da Inteli não é da USP, mas sim do IPT, um instituto separado, com presidência e orçamento próprios”, acrescenta.
Institucionalmente, Inteli e USP parecem se aproximar. Parcerias, especialmente com a Faculdade de Medicina (FMUSP), já acontecem. Mas as relações interpessoais entre os alunos ainda são uma questão.“A gente não frequenta muito outras partes da USP. Ficamos mais no nosso próprio campus”, relata Ana Carolina Martire, presidente da Central Estudantil do Inteli. Ela diz que não há muita troca com alunos da USP, mesmo com aqueles que fazem cursos semelhantes aos oferecidos na Inteli. “Ouvi histórias de que alunos tinham problemas com isso. Via no Twitter também gente reclamando de ambos os lados. Acho que não tem muita comunicação”.
Por não serem da comunidade USP, os alunos do Inteli não têm benefícios como o Busp e acesso ao bandejão e ao Centro de Práticas Esportivas (CEPE). “Não podemos estar inseridos em ligas ou atividades para a comunidade USP, o que é compreensivo, porque não somos parte dela. Então, a gente assiste. Ela está do nosso lado, estamos no meio dela, mas não podemos ser inseridos”, diz Pablo Azevedo, diretor de clubes do Central Estudantil. Em março, a organização dos estudantes tentou, junto à Atlética do Inteli, reservar o CEPE para realizar a “Copa Inteli”, mas sem sucesso.
Atualmente, o Inteli conta com cerca de 450 estudantes, distribuídos nos quatro cursos de graduação oferecidos pelo instituto: Engenharia da Computação; Engenharia de Software; Sistemas de Informação; e Ciências da Computação. Neste ano, as mensalidades chegam a custar R$ 6.764,35. O processo seletivo conta com provas de lógica e matemática, avaliação de perfil e dinâmica em grupo.
Segundo a presidente, cerca de 60% dos alunos atuais são bolsistas, selecionados a partir de critérios socioeconômicos. “O aluno que recebe a bolsa não paga absolutamente nada nunca”, afirma. Os valores são arrecadados por meio de doações de fundações, empresas e empresários, que direcionam os recursos para um fundo de bolsas do Inteli, que faz a gestão da verba. Além da mensalidade, os alunos também recebem moradia, alimentação, computador e um valor mensal.