Por Mateus Netzel*

Na edição de maio do Jornal do Campus (JC), a primeira da turma de 2024 dá logo de cara o tom de como deve ser a cobertura do jornal: não se resumir a simples relatos, mas questionar e refletir questões que interessam aos que vivenciam a Universidade.
O que se lê nas páginas que se seguem é a materialização desse propósito, com muito mais acertos do que erros.
As relações da USP com sua comunidade e com a sociedade em geral são o eixo central do trabalho do JC e isso fica evidente ao longo da edição.
Reportagens sobre as bancas contra fraudes raciais, o possível impacto da reforma tributária no financiamento das universidades paulistas e a situação da dengue inserem a Universidade num contexto mais amplo.
O olhar para a origem elitista da USP, na seção Em Pauta, ajuda a entender melhor o descolamento entre a Universidade e setores da sociedade. Isso é exemplificado no texto sobre os ataques ao estudo sobre o número de manifestantes bolsonaristas nas ruas em fevereiro.
Mesmo reportagens sobre questões específicas da USP, como a proposta de novas linhas de circulares e a construção da Criateca espelham problemas enfrentados fora da Universidade, como a falta de representatividade e participação social na decisão sobre obras e espaços públicos.
Outro acerto foi evidenciar o distanciamento entre discurso e a prática no caso dos trotes em alguns campi. Apesar de proibida, a prática persiste e a estrutura criada para combatê-la e denunciá-la só existe na teoria, como as repórteres demonstraram na prática.
Com tantos questionamentos e reflexões relevantes, no entanto, foi justamente a reportagem com o prestígio da principal chamada do jornal que ficou mais próxima do simples relato que a edição tentou evitar.
O destaque na capa cumpriu o nobre papel de dar visibilidade ao debate que falta (como aponta a chamada na página interna) sobre a inclusão de transexuais no esporte universitário e na sociedade. Mas o texto em si acabou restrito a meia página quase no fim da edição. Não houve espaço para se aprofundar nos obstáculos que as pessoas trans enfrentam nem nas histórias dos três personagens que são retratadas em não mais que um parágrafo cada um.
Foi desperdiçada a oportunidade de trazer ao leitor mais sobre a história dessas pessoas, bem como mais informações sobre os termos em que o debate da inclusão trans no esporte se encontra na sociedade. Não faltam exemplos atuais que levantam essa discussão.
Que as próximas edições continuem a tratar a USP como integrante ativa da sociedade e não percam chances de oferecer um olhar aprofundado sobre todos seus destaques.
*jornalista formado pela USP, é diretor-executivo do jornal digital Poder360