Baixo valor de bolsas diminui engajamento de estudantes em pesquisas

Na realidade em que mais da metade dos alunos da USP vieram de escolas públicas, dificuldades financeiras e falta de tempo são principais impedimentos

Foto: Lívia Uchoa/JC

Por Beatriz Garcia e Sofia Zizza*

“A bolsa da pesquisa é insuficiente para me manter em São Paulo, mesmo juntando com a bolsa do estágio. Apesar do aumento, tanto da PUB quanto do estágio, meus pais ainda precisam me ajudar com o aluguel”, afirma Juliana Matias, aluna do último ano da graduação em Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), em entrevista ao JC

Juliana faz pesquisa desde que entrou na faculdade com bolsas do Programa Unificado de Bolsas (PUB). Ela conta que a principal motivação para começar a pesquisar foi o sonho de uma possível bolsa de intercâmbio, mas que, posteriormente, a motivação passou a ser financeira, já que apenas o estágio não era suficiente para cobrir seus gastos em São Paulo. “Agora está sendo uma preocupação, pois entrego minha IC em setembro e, como estou fazendo TCC, não posso entrar em outra. Essa renda me fará falta”, completa.

A estudante relata que muitas vezes precisou deixar alguma atividade de lado, sem poder se dedicar integralmente como gostaria, para dar conta da pesquisa. “No caminho até a ECA, indo para o estágio ou até mesmo na fila do bandejão eu fazia coisas da IC.” Ela conta que já precisou usar horários de aulas ou até mesmo deixar de ler textos para as disciplinas da graduação. 

Lara Paiva também é aluna de Jornalismo, mas deixou de realizar uma IC na graduação por necessidade de estagiar. Ela explica que o projeto que ela gostaria de realizar não tinha a opção de pesquisa sem bolsa, o que, para ela que estagia na USP, era a única possibilidade. “Eu não queria deixar de estagiar pois estou no quarto ano da faculdade, então eu precisava disso para me formar e para entrar no mercado”. Ela ainda ressalta que a bolsa de IC seria insuficiente para seus gastos.

Em entrevista ao JC, Elisa Torrecilha, aluna do Instituto de Física (IFUSP), conta que é custeada pela família em São Paulo e que, para ela, a bolsa PUB é um adicional na renda. “É um valor que não dá para se sustentar, tem que ser complementado de alguma forma”.

Atualmente, as bolsas de IC oferecidas correspondem a um valor muito abaixo do salário mínimo estadual, que está em R$1.640,00. A bolsa PUB, por exemplo, é concedida no valor de R$700 mensais por um período de 12 meses, sem renovação automática. Já a bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) oferecia, até o início de agosto, R$879,60 para pesquisas e agora aumentou para R$1080.

“A bolsa da pesquisa é insuficiente para me manter em São Paulo, mesmo juntando com a bolsa do estágio. Apesar do aumento, tanto da PUB quanto do estágio, meus pais ainda precisam me ajudar com o aluguel.”

Juliana Matias, estudante de jornalismo

O edital da Fapesp informa que a bolsa de IC pressupõe dedicação exclusiva do bolsista, com mínimo de 12 horas semanais, sem permissão de vínculo empregatício. Os bolsistas também não podem receber, durante toda a vigência da pesquisa, bolsa de outra entidade, salário ou remuneração por  atividades de qualquer natureza, considerado por muitos um obstáculo. 

De acordo com o edital da PUB, não é permitido o acúmulo de bolsas, exceto auxílios da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), sob pena de desligamento do bolsista. 

Cintia Barcellos Lacerda, representante da parte administrativa da vertente de pesquisa da PUB, afirma para o JC que, a partir do edital de 2023, a bolsa de pesquisa passou a permitir o acúmulo de bolsas, desde que apenas uma delas seja paga pela USP. “O aluno não pode ter duas fontes de renda da universidade por conta de uma regra orçamentária. Além disso, a bolsa PUB também não pode ser acumulada com outras bolsas de pesquisa por conta das regras das agências de fomento.” 

A representante esclarece que só a partir do edital  de 2023 foi possível combinar a bolsa PUB com um vínculo empregatício ou estágio. Isso aconteceu com a desvinculação entre PUB e Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE), o que tirou o caráter de apoio socioeconômico da bolsa. Isso acontece pois, quando a PUB era ligada à permanência estudantil, os alunos contemplados não poderiam ter outra fonte de renda.  

“Foi entendido que as bolsas separadas permitem que mais pessoas pudessem ser contempladas pela bolsa de pesquisa”, esclarece Cintia. Ela completa, afirmando que a mudança permite que aqueles que precisam do auxílio permanência possam ficar concentrados em uma bolsa específica.

Além disso, Cintia indica ao aluno que estagia e quer fazer Iniciação Científica, que ele entre em um grupo de pesquisa durante a graduação, se aproxime de um docente e inicie o processo de pesquisa de maneira voluntária, já que, segundo ela, a bolsa exige prazos mais rígidos. “Apesar do programa de IC sem bolsa exigir relatórios para que o aluno tenha o certificado, ele acaba sendo a forma mais flexível para realizar pesquisa.”

Gráfico: Renan Affonso/JC

*Com edição de Lívia Uchoa