Associação de moradores denuncia falta de diálogo na decisão do controle de acesso; Pró-Reitoria nega
Por Gabriel Carvalho e João Chahad*
No início da tarde do dia 14 de agosto, a tentativa da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP de instalar portões para o controle de acesso nas moradias estudantis gerou tumulto entre um grupo de estudantes e a Guarda Universitária (GU). A manifestação aconteceu na portaria do bloco G do Conjunto Residencial da USP (CRUSP). A movimentação resultou na ocupação da portaria do prédio, ação que paralisou as obras no local.
Os manifestantes — compostos na maioria por estudantes universitários cruspianos — acusavam outro grupo de residentes do prédio que estava junto à GU de facilitarem a instalação das grades. Hugo César, morador do bloco G que estava na linha de frente na defesa da instalação, afirmou que houve uma longa comunicação prévia, e que o controle de acesso é uma “demanda histórica” do conjunto. Ele defendeu a implantação da medida por blocos, por conta das divergências de opiniões dos moradores com relação às medidas de segurança propostas pela PRIP.
Mais cedo, no mesmo dia, o grupo de estudantes contrários à instalação estava no bloco F em diálogo com representantes da diretoria Vida no Campus, divisão da PRIP responsável pelos assuntos de moradia estudantil. Enquanto isso, durante o horário de almoço, os portões começaram a ser instalados no bloco G, que fica em frente ao Restaurante Central. Os manifestantes decidiram se deslocar em direção às obras na tentativa de barrar a construção. Giovana Oliveira, vice-presidente da Associação de Moradores do CRUSP (Amorcrusp), chamou a medida da PRIP de “forçosa e autoritária” e afirmou que não houve busca efetiva pelo diálogo com os moradores. Já a PRIP, no perfil oficial do Instagram, acusou a Associação de provocar “uma nova onda de desinformação”.
A pauta sobre a segurança dos moradores do CRUSP tem persistido ao longo dos anos. Diversas denúncias de furtos e assédios provocaram o debate sobre a necessidade de um controle de acesso mais rígido nas portarias dos blocos. A falta de medidas de segurança podem complicar o processo de identificação dos infratores e tornar a vida na moradia estudantil mais perigosa. No entanto, incertezas sobre o funcionamento e a aplicação das grades deixou parte dos moradores e a Amorcrusp em alerta com as ações da PRIP.
Longa discussão
No dia 28 de março deste ano, um morador do CRUSP teve diversos pertences roubados após ter o apartamento invadido. A gestão da Associação à época, o grupo Avante, lançou uma nota de repúdio pedindo para a PRIP políticas de controle de acesso mais rígidas. Mariane de Oliveira, ex-presidente da Amorcrusp, diz que os residentes do bloco G, segundo ela os mais afetados pelo vandalismo, já haviam mandado dois abaixo-assinados entre 2021 e 2023 pedindo a aplicação da medida. Junto com eles, as moradoras do bloco A1, conhecido como “bloco das mães”, também concordaram. Mariane ainda afirma que a gestão da qual ela fez parte era abertamente favorável ao controle de acesso com barreiras físicas. Ela diz ter se baseado em uma pesquisa com os moradores regulares do conjunto.
A atual gestão da Associação — eleita no final de abril deste ano e coordenada pelo movimento Correnteza — tem posicionamentos mais cautelosos em relação ao controle de acesso. As promessas da chapa Isis de Dias de Oliveira giravam em torno de novas medidas de segurança e da criação de um seminário para alinhar a posição dos moradores sobre as propostas. Perguntado sobre o porquê da data da aplicação do projeto, o atual presidente da Amorcrusp, Daniel Lustosa, afirmou que o plano original era realizar o seminário em setembro, mas o evento foi antecipado devido aos acontecimentos recentes.
No mês de maio, a PRIP iniciou uma série de reuniões abertas com os moradores do CRUSP. Em comunicado, a Pró-Reitoria afirma que houve “uma resposta positiva dos moradores” à apresentação do modelo arquitetônico, apesar de mais da metade das reuniões terem ocorrido no começo de julho, quando o contrato com a empresa que instalaria as grades já havia sido fechado. No mesmo mês, a Amorcrusp disse, por meio de nota de posicionamento, que a maneira de implementação dos portões “atropela o debate democrático com o conjunto dos moradores”.
Daniel diz que nessas reuniões havia poucos moradores e que elas serviam apenas como informe e não uma ponte de diálogo com os cruspianos e seus representantes. Em nota no Instagram, a PRIP afirma que reuniu “quase uma centena” de pessoas da comunidade CRUSP e que o tema “vem sendo discutido desde o ano passado”. O JC pediu acesso aos registros dessas reuniões, mas até o fechamento desta edição, não houve resposta.
Em comunicado via e-mail do final de julho, os moradores foram avisados pela Diretoria Vida no Campus que as instalações seriam nas semanas seguintes. Em 11 de agosto, a Amorcrusp emitiu ofício pedindo por mais espaços de diálogo para o debate de segurança na moradia, o que resultou numa reunião no dia seguinte. Ainda segundo Daniel, nessa reunião houveram discussões sobre o protocolo de funcionamento e os efeitos do controle de acesso, mas que nada foi conclusivo sobre essas questões.
Segundo a Associação, ainda havia falta de informações básicas sobre a medida. A Amorcrusp, durante o mandato da chapa atual, convidou diversas vezes representantes da PRIP e da diretoria Vida no Campus a estarem presentes dentro do CRUSP para diálogos entre os moradores. Segundo Daniel, esses pedidos nunca foram atendidos. As falhas na comunicação teriam culminado na ocupação das portarias.
A PRIP criou uma votação on-line no mesmo dia do tumulto, na qual 553 moradores participaram, sendo que 51,6% votaram a favor da instalação das grades. No entanto, o CRUSP possui 1163 alojados no total, segundo números divulgados pela Pró-Reitoria. Ou seja, somente um quarto do conjunto residencial votou favoravelmente, enquanto metade não participou. O atual presidente da Amorcrusp acusou a votação de ter o objetivo de “desmoralizar o movimento” e que ela deve ser “feita com um debate político”, por conta do prazo limitado de um dia para a enviar a resposta.
A assembleia dos moradores, que ocorreu no mesmo dia da manifestação, decidiu pela continuidade do movimento contra a instalação das grades por meio da ocupação contínua das portarias dos blocos F e G, a fim de evitar uma instalação repentina. Além disso, a confecção de cartazes, folhetos e outros métodos para chamar a atenção da comunidade USP foram organizados. O seminário de segurança trabalhou com temas como saúde mental, democracia, diálogo e o próprio controle de acesso. Também foi organizado um conselho de segurança dos moradores, com representantes eleitos de diferentes blocos. A proposta agora é retomar estratégias de comunicação bilateral e organizar um plebiscito interno, com maiores complexidades nas opções da cédula de votação em relação ao modelo da Pró-Reitoria. Isso serviria para contemplar os grupos favoráveis ao controle de acesso, mas com outro projeto arquitetônico, como catracas ou portas de vidro.
O que está em jogo
A implementação do controle de acesso mais rígido é uma pauta de grande debate no CRUSP. A PRIP afirma que o projeto arquitetônico segue os modelos de “qualquer prédio residencial em São Paulo”. Porém, a vice-presidente da associação, Giovana Oliveira, afirma o aspecto simbólico entre o visual das grades com o “sentimento de prisão”, que pode afetar a saúde mental dos moradores. Além disso, ao longo do processo, diversos cruspianos apresentaram dúvidas sobre o procedimento de visitas, o que, segundo a PRIP, não terá mudanças. A Pró-Reitoria buscou também sanar as dúvidas sobre o protocolo de emergência, que foi colocado no projeto e comunicado posteriormente.
A maior discussão está relacionada com os moradores irregulares do CRUSP. A PRIP afirmou, por meio de informe, que esse projeto de controle de acesso não afetará os estudantes não regularizados que possuem vínculo com a USP. Isso porque a entrada no novo modelo de portaria seria feita mediante apresentação da carteirinha de estudante.
A quem interessam as mentiras? A quem interessa ir contra a segurança no CRUSP? A quem interessa ser contra a moradia estudantil digna para os estudantes?
PRIP em nota no Instagram
Porém, na ata da reunião do dia 12 de agosto, que não foi publicada oficialmente, consta que esse mesmo comunicado de julho também se estenderia para os moradores irregulares que não possuem relação com a USP. Essas inconsistências causam confusão e trazem incertezas sobre as normas e os efeitos da medida. O controle no acesso aos blocos e com barreiras físicas poderia causar expulsão não humanizada dos grupos não regularizados. O presidente da Amorcrusp, Daniel afirma que o tema não foi suficientemente debatido na reunião, e que novos encontros estavam em fase de planejamento, mas acusa a PRIP de retirar esse ponto da ata.
O JC buscou diversas vezes uma entrevista com os representantes da Diretoria Vida no Campus para entender melhor o caso das pessoas irregulares dentro do CRUSP e os detalhes do funcionamento da medida. Em resposta, a PRIP afirmou que “tudo o que tinha que ser falado sobre o assunto já o foi”, tanto por meio dos comunicados quanto em publicações oficiais.
Daniel reforça que somente o controle de acesso não resolveria os principais problemas do CRUSP. Segundo o presidente da Associação, defeitos estruturais como conexão de internet fraca, infiltrações, falta de água, elevadores quebrados e outras questões de infraestrutura precária são vitais para moradia digna e deveriam receber a devida atenção. Além disso, o projeto não seria tão incisivo sobre casos de assédio e possíveis violências internas na moradia.
O presidente da Amorcrusp demonstra insatisfação em relação à comunicação da PRIP. “Por que eles não querem apresentar a proposta [de funcionamento] de forma clara?”. Ele afirma que a decisão da instalação imediata é precipitada, vista a quantidade de questões em aberto que ainda persistem dentro do CRUSP: “[as grades] iam ser implementadas sem resolver a questão dos irregulares”. Daniel diz estar aberto ao diálogo com os representantes da USP, e acredita que uma medida de segurança na moradia deve ser debatida junto com o conjunto de moradores.
*Com edição de Fernanda Zibordi e Samuel Cerri