Epidemiologista da FMUSP afirma que estado emergencial da Mpox no mundo não significa uma nova pandemia
Por Julia Alencar*
Com o recente decreto da Organização Mundial da Saúde (OMS) que estabeleceu a Mpox como Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional, pode surgir a dúvida se os macacos dos campi da USP apresentam risco à saúde. A resposta é simples: não.
“Um dos grandes equívocos acerca da Mpox é que, na verdade, ela não é uma doença de macacos. Os grandes reservatórios do vírus são roedores nativos do continente africano, e é justamente nosso papel em uma Universidade reconhecida pela divulgação acadêmica discriminar a informação correta nos nossos meios”, afirma o professor Doutor Expedito José Luna, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. Além da ideia equivocada sobre quem são os portadores do vírus, não há casos no Brasil da variante mais grave — o clado³ 1b, que induziu o decreto da OMS — e a presença fora do continente africano é esparsa, com apenas dois casos confirmados.
“O decreto serve mais como uma medida preventiva, alertando os países para que dêem início a protocolos de precaução e também para que se iniciem ações imediatas de contenção e tratamento nas áreas de foco”, completa o professor ao referir-se à possibilidade de desbloqueio de recursos financeiros e vacinas para os países endêmicos.
O nome ‘varíola do macaco’, recentemente alterado para Mpox, foi dado pelas condições em que o vírus foi identificado pela primeira vez: “Um grupo de macacos comprados da África foi levado para a Dinamarca em 1958, para servirem de cobaias para experimentos. Uma vez em território europeu, os macacos adoeceram, e por isso o vírus levou este nome, mas não foi pelo contato com eles que humanos foram infectados”, explica Luna. O especialista ainda afirma que é fundamental que os macacos não sejam mortos ou capturados, uma vez que podem ser reservatórios para outros patógenos, além de ser prejudicial para o ecossistema local.
A doença
O vírus causador da doença, o mpox vírus (MPXV), do gênero Orthopoxvirus e família Poxviridae, pode ser categorizado a partir de dois grupos: 1 ou 2. A partir desses dois grupos, totalizam-se quatro clados conhecidos, que são divididos entre a e b. Foi o subtipo 1b o responsável pelo atual surto na África Central, concentrado na República Democrática do Congo e considerado o mais grave, devido à alta transmissibilidade e mortalidade de 10,6%, de acordo com o Instituto Fiocruz. Já o subtipo 2b, responsável pelo surto da doença em 2022 em todo o mundo, inclusive no Brasil, apresenta um perfil de transmissibilidade e mortalidade mais leve e já foi controlado.
Até o fechamento desta edição do JC, foram confirmados casos do clado 1b na República Democrática do Congo, Uganda, Ruanda, Burundi, Quênia, Costa do Marfim, Suécia e Tailândia. No Brasil, foram confirmados 709 casos de Mpox em 2024, todos derivados do clado 2b que, de acordo com o Ministério da Saúde, tem taxa de mortalidade de 0,022%. Por isso, o professor Luna afirma que não há motivo para alarme, apenas alerta e prevenção.
A doença se manifesta principalmente com erupções cutâneas ou lesões de pele, febre e linfonodos inchados, transmitindo-se pelo contato com materiais ou pessoas infectados, seja por vias sexuais ou proximidade com as lesões de pele. Não existem vacinas específicas para a Mpox — a imunização é realizada com agentes contra a varíola humana.
Luna explica porque a vacinação em massa não é recomendada. “Como a varíola humana foi erradicada em 1977, os fabricantes reduziram a produção de imunizantes para o vírus. Assim, além de haver poucas doses, também há poucos fabricantes, portanto é necessário que haja um uso racional dessas vacinas”, explica o epidemiologista. “A ideia é vacinar em torno das cadeias de transmissão, técnica chamada de ring vaccination, ou vacinação de bloqueio. Assim, são priorizados aqueles que tiveram contato direto com o vírus”, detalha o professor.
A campanha preventiva, inclusive no Brasil, também se aplica aos grupos de risco, como é o caso de pessoas imunocomprometidas, as que vivem com HIV/aids (PVHA), usuários da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) e profissionais de laboratórios que atuam em locais de exposição ao vírus. Em caso de suspeita de contato com o vírus, o Ministério da Saúde recomenda que o paciente procure avaliação médica. O tempo de incubação do patógeno varia de 3 a 16 dias, mas também pode chegar a 21. Na maioria dos casos, os sintomas se resolvem sem intervenção médica, em um período de duas a quatro semanas. Após a cicatrização das lesões de pele, o paciente deixa de transmitir o vírus.
Estudos a respeito da proteção contra a doença já são realizados na comunidade USP. O Instituto de Ciências Biomédicas trabalha no desenvolvimento de um creme antisséptico que se provou eficaz na proteção contra o vírus da Mpox. O Phitta Cream, que tem como princípio ativo o Phtalox, desenvolvido no Instituto de Química da USP, foi capaz de inativar o MPXV (mpox vírus) e todas as suas variantes em até quatro horas, conforme afirma o professor Edison Luiz Durigon, coordenador do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do ICB-USP, à imprensa.
Glossário |
Clado: grupo que inclui todos os organismos descendentes de um mesmo ancestral. |
Pandemia: aplica-de apenas quando há transmissão elevada e constante em diversos continentes, como no caso da Covid-19. |
Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional: apenas um alerta para o caráter emergencial da doença em países ou regiões específicas, possibilitando a liberação de recursos e início de medidas de contenção, prevenção e tratamento. Desde 2008, doenças como a H1N1, Ebola, Zika e Poliomielite também receberam o status de ESPI, mas nunca chegaram a se tornar pandemias, contrando-se em seus países endêmicos. |
*Com edição de Beatriz Haddad