Neste vazio, cabe arte

Público aponta falta de apoio da Universidade na promoção de atividades culturais no Campus

Foto: Cecília Bastos/Usp Imagem

Por Bárbara Aguiar*

Em 22 de junho, a configuração da Praça do Relógio mudou por um dia: ao lado da Torre do Relógio, um palco foi instalado e uma plateia que foi estimada pela organização em 55 mil pessoas, acompanhou a apresentação de Marisa Monte ao lado da Orquestra Sinfônica da USP (Osusp). 

O evento foi realizado em comemoração aos 90 anos da Universidade e, além de marcar a data, levantou questionamentos sobre o uso dos espaços da Instituição para a promoção de eventos culturais. A adesão do público mostrou que o desejo de prestigiar shows e manifestações culturais não falta, mas eventos de grandes proporções como esse da Marisa Monte e da Osusp são cada vez mais raros na USP.

Passado de shows

Durante os 90 anos de história, a Cidade Universitária foi palco para grandes vozes da música brasileira e berço para a produção cultural universitária. O programa Bem Brasil, que reunia artistas e bandas em espetáculos musicais abertos ao público, foi — entre 1991 e 1995 — produzido no anfiteatro da USP e transmitido ao vivo pela TV Cultura.

A parceria acabou quando o Bem Brasil passou a ser gravado no Sesc Interlagos. O primeiro programa teve show do grupo Izaías e seus Chorões, do flautista Altamiro Carrilho e foi apresentado por Wandi Doratiotto, que integrava o grupo Premeditando o Breque, criado em 1976 por estudantes da USP.

Antes disso, a USP já recebia vozes como a de Milton Nascimento, que fez uma apresentação na Faculdade de Arquitetura em 1974, e João Bosco, que participou da recepção dos calouros do ano de 1983. 

Os momentos ficam na memória de quem viveu a USP aberta ao público. “Lembro de assistir a um show do Jorge Ben Jor no Velódromo no começo dos anos 2000. É uma pena que a maior universidade da América Latina seja toda murada e dificulte o acesso da população”, destaca José Cussiol, formado em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências em 2004.

De acordo com o arquiteto Giuliano Magnelli, que se formou na FAU em 2017 e é mestrando em Planejamento Urbano e Regional, a Cidade Universitária possui capacidade para se integrar à cidade de São Paulo e ser mais do que espaço de passagem dos estudantes e profissionais da Universidade. “A USP tem potencial para ser um parque, com utilização de seus espaços para realização de eventos culturais como exposições, shows e principalmente, práticas esportivas e de lazer”, afirma.

Entre os espaços que poderiam ser retomados e readaptados, além da Praça do Relógio e do Velódromo, Magnelli cita os vãos da FFLCH e da FAU. “São espaços multiusos que poderiam ser utilizados para encontros, para confraternização, além do uso pelos estudantes. Mas a falta de urbanidade dentro e no entorno da USP torna essa ocupação maior, um desafio”, pontua.

Segundo o arquiteto, para que esses locais se transformassem em ambientes propícios à promoção frequente de atividades abertas ao público, seria necessária a implantação de estruturas que, hoje, não existem na USP, como banheiros públicos, alguns comércios, um metrô dentro ou mais próximo do Campus e um monitoramento do acesso aos prédios. 

Espaço

As limitações não são exclusivas da recepção de público externo: estudantes da USP também buscam espaços para realizar atividades culturais.

Cesar Vargas, estudante de Engenharia Química e diretor cultural do Grêmio da Poli, relata que a organização estudantil cede espaço para que grupos musicais da Escola Politécnica, como o Polifonia e o Acappolli, ensaiem e se apresentem. “Com o tempo foi necessário não só organizar eventos culturais, mas gerar oportunidades para os próprios alunos se desenvolverem artisticamente”, diz.

O estudante relembra, com pesar, o cancelamento da edição de 2024 do Programa Nascente, criado em 1990 para incentivar a produção artística dos alunos: “Fiquei bem chateado pelo cancelamento, gostaria de ter participado esse ano na categoria de artes visuais ou design”, revela.

O programa, que conta com categorias para produções visuais, literárias e musicais, era o principal espaço para a comunidade acadêmica mostrar os talentos artísticos. O professor Emerson Inácio, coordenador do Nascente, revela que o cancelamento da edição aconteceu pela implantação de uma nova lei de licitação, que reteve e atrasou contratações de serviços para a organização do evento.

“Somente agora poderíamos iniciar as contratações e seria impossível colocarmos para funcionar um evento, sempre realizado em novembro, que normalmente levamos seis, sete meses montando”, afirma o docente.

Para Jo Santos, calouro de Artes Visuais que produz música eletrônica e pop, a iniciativa do programa é interessante, mas parece excludente para o seu tipo de arte. O estudante aponta que as categorias do Nascente abrangem apenas música erudita e popular. “É uma coisa que eu sinto em relação às artes da USP de forma geral. Parece que tudo tende a ir para um lado mais instrumental, acústico e até erudito, eu diria”. 

“Eu gosto muito de música trash, de música camp, e sinto que o tipo de música que eu gosto e que eu faço não teria espaço no Projeto Nascente”, reflete o estudante. Os desafios para encontrar um local que abrigasse sua arte o fizeram criar uma comunidade no WhatsApp para músicos e bandas da USP. “A ideia foi fomentar essa união, conexão, para a gente ter um espaço de troca”, explica.

Além da falta de abertura para produções universitárias diversas, Jo aponta dificuldades que também foram relatadas por Cesar: a ausência de locais disponíveis para ensaios, apresentações e a indisponibilidade de instrumentos para treino. Na EACH, por exemplo, os alunos têm a possibilidade de tocar piano mediante o cadastramento em uma lista de monitoramento. 

Uma iniciativa semelhante, segundo a Chefia do Departamento de Música, não é possível na Cidade Universitária. “A prioridade é dada aos alunos regularmente matriculados no curso de Música e não é possível aumentar a demanda de nossas salas de estudo com estudantes de outras unidades, tendo em vista que não teríamos como atender às necessidades de nossos alunos”, respondeu, em nota, a Chefia do Departamento.

Aos alunos artistas, as iniciativas próprias são a principal saída para que a arte universitária continue sendo produzida. Cesar destaca que as reuniões abertas da Semana de Arte na Poli (SAPO), que acontecerá na última semana de outubro, estão abertas para receber inscrição de estudantes de toda a USP que desejem expor, se apresentar ou auxiliar na construção da semana cultural.

Entre em contato com o Grêmio Politécnico no Instagram ou presencialmente nas reuniões que ocorrem todas as quintas-feiras às 11h. Também é possível ficar atento pelo Instagram @arteculturapoli.usp.

*Com edição de Gabriel Carvalho