O caminho das pequenas coisas felizes

Ilustração: Davi Madorra/JC

Por Miriã Gama*

O que nos traz felicidade? Ou melhor, o que é a felicidade?

Começar com esses dois questionamentos me parece brutal, confesso, porém minha mente navegou por essas perguntas enquanto olhava a paisagem de árvores secas pelas janelas de um circular, um 8032 qualquer. Às 19h37, me peguei em uma auto investigação da causa do sorriso singelo que toma o meu rosto, mesmo após longas horas de cansaço e um dia completo longe de casa. Talvez, seja a tal da felicidade. 

Uma definição mais formal, de dicionário, ou simplesmente do Google, relaciona felicidade a um estado verdadeiro de satisfação plena. Aos olhos da filosofia, as coisas se tornam mais complexas e os significados ficam mais abstratos: associam com prazeres, sentimentos, emoções e… momentos. 

Neste ponto que eu queria chegar. Entre os diversos momentos que compõem a rotina brutal de um universitário, há fagulhas de boas coisas que motivam os singelos sorrisos ou as grandes gargalhadas dentro dos circulares. 

E antes que me chamem de saudosista – ou otimista–, desde já quero reconhecer que nem somente de flores vivem os uspianos. Há problemas com a falta de professores e estrutura, dificuldades financeiras, situações de abuso moral e até mesmo físico, condições de moradia precária no CRUSP… Mas, deixando as denúncias e problemáticas para páginas internas desta edição, quero me ater somente aos bons momentos. 

Para continuar com a narrativa dentro do meio de locomoção mais comum nas ruas da Cidade Universitária, gostaria de lembrar aqui do tradicional momento que ocorre todos os anos: o primeiro dia da semana de recepção e a grande maré de recém-chegados indo embora coloridos com o azul da Poli ou o roxo ecano. Para além das cores, outra coisa que não deixa os bixos passarem despercebidos são as risadas, a conversa alta, o jeito meio bêbado, as mochilas nas costas, a dificuldade para passar na catraca… talvez seja esse o primeiro momento marcante inerente a todos nós: a alegria de estar aqui. 

Como descrever o sentimento de ver o nome completo na lista? Faz algum tempo que tive essa sensação, longos meses, mas o sorriso ainda surge, a mesma felicidade ressoa pelo tempo. E o provável combustível dessa alegria é o sentimento de realização. 

Citando novamente nosso amigo Aurélio, realização é a sensação de satisfação, do sucesso sendo alcançado. Muitos dos que chegam até a Melhor Universidade do País passam por longos caminhos, com obstáculos e desigualdades a serem superadas. Alguns passam meses, anos, se preparando para o terrível Enem ou a temida Fuvest, e estar aqui sela o fim de toda a jornada de guerra aos vestibulares. Sim, esse é um bom motivo para sorrir. 

Mas talvez haja outra coisa que também alegra os uspianos. E não, ainda não é a hora de falar das festas universitárias. Antes disso, queria lembrar daqueles que tornam os dias aqui mais suportáveis: amigos.

O que seria do caminho até o bandejão sem as pessoas ao nosso lado comentando inocentemente sobre o que acabou de acontecer na aula? Ou então do trabalho feito aos quarenta e oito do segundo tempo em completo surto? Fazendo um rápido exercício de imaginação, afirmo com certeza que meus dias por aqui seriam totalmente cinzentos sem as companhias que tenho. E é engraçado pensar na maneira naturalmente caótica que tudo isso acontece. 

Uma das primeiras amizades que fiz, e dura até os dias de hoje, começou em um dos bancos de concreto em frente ao prédio central da ECA, pelo simples fato de uma das meninas no grupo ali perdido, sem ter certeza de para onde ir, também ser uma futura jornalista. Desde então, eu e a loirinha somos amigas. E considero mágica a capacidade da USP de unir pessoas que fora dessas salas seriam totais desconhecidos, caminhos que jamais se cruzaram em outro palco. Um que mora no extremo sul de São Paulo é melhor amigo de um Itaquerense — um encontro tão excepcional que me permite fazer a comparação com o metrô, afinal, toda linha azul tem a sua linha vermelha.

São essas companhias que nos levam para o vão da FFLCH. Sim, agora sim chegou a hora de falar da melhor parte da vida universitária na visão de muitos. Seja em um dos institutos ou em uma escola de samba qualquer, é fato que a maior parte das boas memórias são geradas com uma caneca metalizada na mão e um teor de álcool mais alto que o recomendável no sangue. Aqueles momentos que as câmeras dos celulares nem são mais lembradas para registrar e que acontecem coisas imorais demais para serem citadas no Jornal do Campus

E não há como falar de festas uspianas sem citar um grande protagonista: o amor. Tudo bem, talvez seja um pouco idealista relacionar o amor com a Quinta e Breja, mas casais oriundos da FEAFunk testemunham que sim, é possível achar a tampa da sua panela em um momento assim. Muitos dos apaixonados da Cidade Universitária acharam aqui, em uma sala de aula ou na fila do almoço no Central, a pessoa que irá os acompanhar durante muitos anos. Em qual sala da USP não há alguém que se relacione com outra pessoa do próprio instituto?

Por citar as salas novamente, quero fazer menção a parte menos legal da universidade, na visão de alguns: o curso em que estamos matriculados. Entre as complicações da graduação, também há um pouco de alegria. Sim, ninguém faz uma prova de Cálculo IV com um sorriso aberto no rosto, mas não repetir a matéria com certeza arranca comemorações dos futuros engenheiros ou matemáticos. 

Indo um pouco além, relaciono a graduação e a felicidade também quando vivemos aqui experiências acadêmicas que mudam nossas vidas. Sendo francos, sabemos que ser um aluno da USP proporciona coisas que não teríamos em outras universidades. Seja a possibilidade de fazer aquela optativa e se apaixonar por um curso totalmente diferente do que você faz ou participar de uma empresa júnior e conhecer pessoas incríveis. 

Bem, o 8032 já chegou até o metrô Butantã e faltam linhas e palavras para escrever sobre as atléticas, as práticas esportivas, a independência, a possibilidade de se descobrir aqui, de ser quem você realmente é. No fim de tudo isso, o que me faz sorrir é que, mesmo no meio de todo esse caos, a felicidade mora aqui.

*Com edição de Alícia Matsuda