Com fim do armazenamento ilimitado, estudantes e pesquisadores da USP sofrem para manter seus trabalhos seguros na nuvem
Por Jônatas Fuentes e Lara Soares*
Na edição n° 540, a reportagem do JC contou sobre o fim da parceria do Google Workspace for Education com universidades no mundo todo. Na USP, o armazenamento de dados em nuvem, por meio do Google Drive, antes ilimitado, passou a ser de apenas 20 GB para estudantes e 1 TB para docentes.
Em comunicado emitido via e-mail em 3 de maio, a Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) informou que usuários com arquivos acima do limite de armazenamento teriam até 2 de junho para retirar os conteúdos excedentes, sob risco de exclusão permanente.
A orientação geral foi que os usuários baixassem, às pressas, todos os arquivos manualmente — independentemente do tamanho, fossem gigabytes, terabytes ou mais — e os enviassem ao Google Cloud Storage, serviço com interface menos amigável ao usuário e cujo acesso deveria ser solicitado à STI, ou a outro serviço de responsabilidade de cada usuário.
A redução drástica no armazenamento mobilizou a comunidade USP. Diversas pesquisas e produções científicas, antes guardadas no Google Drive, tiveram de ser colocadas em outro lugar.
Reação
Frente à ordem de despejo do Google Drive, Millena Franco, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (FE-USP), encontrou uma alternativa rápida, mas inadequada: transferiu para um pen-drive sua dissertação de mestrado e todos os dados da pesquisa.
“O Google Drive serviu como espaço para organizar fontes primárias digitalizadas em centros de memória e museus, além de arquivos raríssimos”, conta.
Felizmente, Millena não perdeu nenhum arquivo, porém considera os 20 GB insuficientes para guardar publicações importantes, “dificultando a preservação histórica de produções feitas na instituição”.
Entre as graduações que mais exigem espaço no Drive, o curso de Audiovisual, da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), foi bastante impactado. Cora Ribeiro, estudante e representante discente do curso, acompanha o drama dos alunos que trabalham com manipulação do arquivo bruto das captações audiovisuais. “Só um exercício simples já ocupa muito mais do que 20 GB. Imagina um curta-metragem, com horas e horas de material captado”.
A representante também conta que os estudantes usavam o Google Drive para arquivar filmes raros. “É o nosso repertório pessoal, que usamos para pesquisa e referências dos nossos projetos ao longo do curso. Um único filme tem, em média, 50 GB. Acervos inteiros se perderam”. Como medida provisória, os discentes precisaram transferir os arquivos para HDs externos. No entanto, pelo alto custo destes dispositivos, a alternativa é pouco democrática.
Dependência
Segundo o ranking da Universidade de Leiden, na Holanda, a USP é a 16º maior produtora de artigos científicos no mundo — cerca de 20 mil publicados entre 2019 e 2022 — , atrás apenas de Harvard (EUA), Universidade de Toronto (Canadá) e diversas instituições chinesas, mas já esteve na 4ª posição de 2009 a 2012.
Com a digitalização da ciência, grande parte dessas pesquisas dependem de pacotes de software, como Microsoft Office ou Google Drive. Funções como a edição colaborativa, utilizada pela pesquisadora, facilitam em muito a produção científica. Porém, para que funcionem, é necessário espaço. Caso contrário, todos os outros serviços da plataforma são limitados: a Google impede a criação de novos arquivos e o Gmail também para de receber e-mails.
Alternativas
O Instituto de Física (IF-USP) utiliza servidor próprio para armazenar dados de pesquisa, de ensino ou administrativos. Desde a chegada da Internet na USP, a faculdade utiliza o Centro Computacional (CC-IFUSP) local como alternativa viável, fornecendo “todos os serviços necessários para a comunidade, sem depender de nenhum sistema externo”, como afirma o professor Alexandre Suaide, coordenador do centro.
O professor também cita que só o armazenamento concedido ao seu grupo de pesquisa — 2 milhões de GB, sem contar com o armazenamento geral do IF — já é superior ao total que a USP utilizava no Google Drive. Entre outros serviços fornecidos pelo CC à comunidade do IF, estão processamento de dados, e-mails “@if.usp.br” e a rede Wi-Fi “IFNET”. O setor é mantido por investimentos em pesquisa e recursos orçamentários do instituto.
Em pesquisas mais sensíveis – com patentes sigilosas de tecnologia, por exemplo –, é expressamente proibido utilizar ferramentas de empresas privadas. Nesse caso, opta-se pelo servidor local pela melhor privacidade. “Os dados são o petróleo do século 21, e se alguém te oferece algo de graça, é porque você é o produto, consentindo fornecer informações para outros usos”, analisa Suaide.
A adoção de servidores próprios, segundo a STI, cabe individualmente a cada instituto.
Providências
Em comunicado geral, a STI afirma que “no futuro, outra plataforma de armazenamento poderá ser contratada”. Ao JC, a Superintendência esclareceu que essa informação refere-se ao contrato com a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (PRODESP), hoje apoiada provisoriamente nos serviços da Google.
Quanto à transição para outro serviço, a STI disse que trabalha alternativas para atender à demanda de modo “otimizado, tanto em relação ao custo quanto à qualidade, resiliência e eficiência dos serviços”. A limitação de uso busca “implementar mudanças significativas”, visando menor custo aos cofres da USP, conforme a nota do STIProcurada pela reportagem do JC, a Google decidiu não comentar o caso.
*Com edição de Fernanda Zibordi