Em palestras e conversas, pesquisadores e alunos indígenas discutem permanência e políticas de inclusão
Por Marcelo Teixeira e Mirela Costa*
“Nossos próprios troncos linguísticos, culturas, histórias, formas de cultivo e manejo da terra trazem conhecimento para dentro da USP. A universidade precisa incluir os saberes indígenas, e não romantizá-los”, afirma Emerson Souza, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP (PPGAS), em entrevista ao JC. Pertencente ao povo Guarani-Ñandeva, Emerson foi o organizador do seminário Presença e Ausência Indígena na USP, realizado nos dias 19, 20 e 21 de agosto, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.
Pesquisadores, estudantes e lideranças indígenas de várias regiões do país se reuniram em mesas-debate para discutir formas de acesso, desafios da permanência e abordagem dos saberes indígenas na universidade. Ao final da programação, foram levantadas as entidades que participarão da escritura de um documento de demandas a ser entregue à Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) e ao Conselho Universitário da USP. O evento teve origem em um projeto de pesquisa selecionado pelo único edital de apoio a pesquisadores indígenas da PRIP, lançado em 2023.
O doutorando aponta o atraso da implementação do vestibular indígena e a ausência de mais concursos voltados a povos originários como retratos do racismo estrutural na USP. Enquanto instituições de ensino superior, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), contam com uma prova de ingresso específica para indígenas, a USP segue apenas a Lei de Cotas como política afirmativa de acesso. Assim, 50% das vagas da universidade são destinadas a alunos ingressantes de escolas públicas e, dessa porcentagem, 37% é voltada a estudantes pretos, pardos e indígenas.
“O movimento indígena da USP é pequeno porque há poucos indígenas aqui.”
Matheus Median, diretor de Movimentos Indígenas do DCE Livre
“O papel da USP agora, como uma das poucas grandes universidades públicas do país a ainda não incluir um vestibular indígena, é pesquisar exatamente qual modelo ela pretende seguir e adotá-lo”, explica a professora Chantal Medaets, especialista em educação indígena e palestrante no evento. “Não existe um certo e errado, todos têm seus positivos e negativos, construídos para seu contexto específico.”
Embora o projeto já seja reivindicado há anos, não existe consenso com relação à forma ou escala desse tipo de vestibular. Desde 2004, dezenas de universidades públicas do Brasil já implementaram o projeto de alguma forma, com diferentes modelos a depender da instituição. Na Unicamp, que implementou o vestibular em 2018, participantes são obrigados a provar vínculo à terra indigena relacionada à sua etnia para entrarem no processo seletivo, enquanto em outras faculdades, apenas a autodeclaração da etnia é necessária. Enquanto a Unicamp reserva cerca de 4% de suas vagas para alunos indígenas, a Federal de Santa Catarina reserva menos de 0,5%.
Apesar dos avanços garantidos pelas cotas étnico-raciais, dentre os mais de 101 mil alunos matriculados na USP em graduação, pós-graduação e pós-doutorado em 2023, apenas 137 são indígenas, representando aproximadamente 0,13% do total. Matheus Median, diretor de Movimentos Indígenas do DCE Livre da USP, declara que “o movimento indígena da USP é pequeno porque há poucos indígenas aqui”. E não só os números refletem a ausência desse grupo na universidade, mas também a desvalorização do pensamento indígena nas bases curriculares. Durante o seminário, lideranças e pesquisadores sinalizaram a necessidade de intercâmbio entre diferentes formas de produção de conhecimento, de forma a desenvolver uma ciência diversa.
As noções dos povos indígenas sobre cura, manutenção do meio ambiente e relações equilibradas entre o homem e a natureza são de grande relevância, sobretudo frente a um cenário de intensas mudanças climáticas. O estudo das trajetórias indígenas também enriquece o cenário cultural da universidade, uma vez que os mais de 266 povos existentes no Brasil falam diferentes línguas e carregam seus respectivos costumes.
Durante a plenária final do seminário, Renato Cymbalista, diretor de Direitos Humanos e Políticas de Reparação, Memória e Justiça da PRIP, reiterou que “a reparação é uma dívida que precisamos seguir buscando”.
*Com edição de Fernanda Ziboridi e Samuel Cerri