Do humor à denúncia, o dia a dia do campus nos murais da USP

Quadros de avisos, portas de banheiros e paredes de vivências se transformam em canais de comunicação entre uspianos

Foto: Fernanda Zibordi/JC

Seja percorrendo corredores de institutos ou passando o tempo nas áreas de convivência dentro do campus, é comum se deparar com avisos, recados ou confissões das pessoas que frequentam esses espaços. Para além da comunicação direta, os estudantes utilizam o ambiente físico da USP para se expressar, dialogando entre si e com quem visita ou trabalha na universidade.

Um dos traços mais recorrentes nas mensagens é o humor. Frases como “tudo vale a pena se a marmita não é pequena” e “USPauleira: entre agora para grupo mais roqueirista da USP” podem ser encontradas nas paredes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Gabriel, estudante de Filosofia, diz achar muito interessante o modo como os alunos intervêm no espaço do instituto. “Os banheiros têm algumas coisas bem inusitadas. Parece que as pessoas conversam às vezes: deixam um recado e outro dia alguém vai lá e escreve outra coisa.”

Já no Instituto de Física (IF), que mantém paredes e portas de banheiros sem comunicados não institucionais, o destaque vai para os armários dos alunos, que, de acordo com a aluna de licenciatura Lavínia, são livres para personalização. Ela conta sobre a existência de armários interativos pelos corredores do prédio: os próprios donos oferecem o espaço das portas para que as pessoas possam conversar. Uma votação sobre qual cantora pop seria capaz de desvendar a gravidade quântica incentiva as pessoas a justificarem seus votos nos papéis colados entre os cadeados.

Foto: Fernanda Zibordi/JC

Porém, estes recados vão muito além das piadas. As paredes podem falar e, por meio delas, são feitas críticas e denúncias a respeito de problemas presentes na vivência universitária. É o o caso visto na Escola de Comunicações e Artes (ECA). Na entrada do Departamento de Música, uma declaração foi colocada pelos alunos com a frase “a música não está aqui”. Um dos alunos afirma que o motivo disso seria “uma resistência muito forte do departamento em aceitar a música popular e outros tipos de música” que são mais próximas dos perfis dos estudantes em comparação as clássicas ou eruditas.

Foto: Fernanda Zibordi/JC

Assuntos comuns nas paredes uspianas envolvem denúncias de assédio e críticas a abusos de poder. Cabines de banheiros e quadros de centros acadêmicos são vistos como ambientes mais seguros para compartilhar relatos de violência e exigências por ações da universidade diante das ocorrências desses casos. Há também mensagens que propõem reflexões para quem se depara com elas. “A autonomia dos estudantes é construída” e “grafite na parede dos outros é afresco” são alguns exemplos que podem ser lidos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU).

Esses ambientes alternativos de comunicação também são usados por aqueles que desejam divulgar trabalhos e serviços. Projetos de entidades estudantis, ensino de linguas estrangeiras e aulas de instrumentos musicais são amplamente anunciados em lugares com grande movimentação de pessoas como recepções de prédios e pontos de onibus. O Instituto de Psicologia (lP) contribui para esse tipo de comunicação ao oferecer murais próprios para que estudantes tenham a liberdade de prender cartões de visita profissionais ou até poesias autorais.

“Universidades devem sempre ser espaços seguros para a liberdade de expressão, particularmente para críticas construtivas”, diz Andrew Revkin, jornalista ambiental americano que visitou a USP em agosto. Na passagem pelo Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), ele compartilhou nas redes sociais os recados humorísticos deixados nos quadros de avisos, sem identificar o teor sarcástico de piadas políticas.

O que mais lhe chamou a atenção foram os Axé Kamala, memes sobre a candidatura da democrata Kamala Harris à presidência dos Estados Unidos. Descontextualizado em um primeiro momento sobre o tom humorístico das imagens, Revkin publicou fotos delas no X (antigo Twitter) como uma evidência do apoio dos alunos brasileiros à candidata norte-americana. Em entrevista ao Jornal do Campus, ele admite ter ficado fascinado com o quadro de avisos cheio de visuais lúdicos e afirma sobre a importância de estar ciente dos diferentes significados dessas mensagens a depender do contexto.