Em entrevista ao JC, sobrinha da estudante assassinada durante a ditadura militar relembra luta da tia contra o regime
Por Mirela Costa*
Cinco décadas é tempo de uma vida. Para a família de Ísis Dias de Oliveira, é tempo de espera por respostas: em 30 de janeiro de 1972, a ex-aluna do curso de Ciências Sociais da USP foi sequestrada e levada para o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro, quando tornou-se desaparecida. Após décadas de busca por pistas, pouco sabem os familiares sobre os últimos dias de Ísis.
Vida de resistência
Filha de Felícia Mardini de Oliveira e Edmundo Dias de Oliveira, Ísis nasceu em 29 de agosto de 1941, em uma família de classe média na cidade de São Paulo. “Foi uma criança muito alegre”, diz a socióloga Adriana Dias de Oliveira, sobrinha da estudante. Apesar de não ter convivido com a tia, Adriana conta ao JC os relatos dos familiares sobre Ísis: “Ela estudou muito e se dedicava às artes, praticando piano, escultura e desenho”.
A sobrinha ainda lembra que a jovem gostava de ler obras de Kafka e Rousseau, além de escutar músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso. Em 1965, ingressou no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e passou a morar no Conjunto Residencial da Universidade, o Crusp. Na época, ela entrou para a Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização de luta armada que enfrentou a ditadura militar brasileira.
A repressão a opositores políticos prevista pelo Ato Institucional 5 (AI-5) levou Ísis a interromper a graduação. Viajou a Cuba em 1969 para participar de treinamento político e militar e, de volta ao Brasil no ano seguinte, mudou-se para o Rio de Janeiro. Adriana conta que Felícia – sua avó e mãe de Ísis – visitava a filha em terras cariocas com frequência. “Sempre que vovó ia para o Rio, tia Ísis dizia ‘se eu não aparecer, não se preocupe, alguém vai te ligar’.” Após o aniversário de 30 anos da estudante, mãe e filha marcaram um encontro nos fundos da Igreja da Candelária, no qual Ísis já não compareceu mais.
Os anos após o desaparecimento de Ísis foram marcados por buscas intensas. A família – e sobretudo Felícia – se desdobrou para encontrar ao menos alguma notícia sobre a jovem. Apesar das incansáveis visitas a hospitais, presídios, cemitérios e unidades do Instituto Médico Legal (IML), pistas falsas indicadas por órgãos de repressão dificultaram a jornada de Felícia à procura da filha. “Vovó foi uma guerreira, dedicou sua vida à busca da tia Ísis”, lembra Adriana. Felícia integrou a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e participou da fundação do grupo Tortura Nunca Mais.
Após a promulgação da Lei de Anistia em 1979, um general reconheceu a morte da jovem e de outros desaparecidos políticos em nota publicada pela Folha de S. Paulo[itálico] no mesmo ano. Felícia morreu em 2013, aos 93 anos, sem receber mais informações e tampouco o direito do sepultamento digno da filha. Ainda assim, sobrinhos e primos seguem na busca pelas verdadeiras circunstâncias da morte de Ísis.
Memória e justiça
A trajetória de Ísis infelizmente não é única na USP: segundo o relatório final da Comissão da Verdade da Universidade, a ditadura militar fez outras 46 vítimas, dentre alunos, professores e funcionários. Com o objetivo de reconhecer e reparar as violências, torturas, perseguições, mortes e desaparecimentos durante o período, a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), a Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e o coletivo de estudantes Vermelhecer promovem o projeto Diplomação e Resistência[itálico] desde 2023. A iniciativa prevê a concessão de diplomas honoríficos de graduação aos 33 estudantes da USP que foram mortos pela ditadura.
Isis foi diplomada no dia 26 de agosto na FFLCH, com mais 14 estudantes da instituição mortos durante a ditadura. Adriana Dias foi quem recebeu o diploma. “O sentimento que tivemos depois da diplomação foi de paz”, afirma Adriana. Segundo a socióloga, é essencial que as histórias dos perseguidos políticos sejam relembradas e contadas às gerações mais novas para a manutenção da democracia no país. Instituições como a Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também adotaram propostas de preservação da memória de seus alunos assassinados durante o regime militar.
A sobrinha de Ísis ainda reitera a importância da abertura dos arquivos referentes à ditadura no Arquivo Nacional, órgão responsável por preservar e divulgar documentos históricos no Brasil. “Por mais que muitos [dos criminosos] já tenham morrido, é importante responsabilizá-los. A abertura dos arquivos não é uma reparação só para as famílias, mas para toda a sociedade”, defende Adriana.
*Com edição de Lucas Lignon