80 anos de ‘O Politécnico’ mostram a importância das publicações impressas que circulam na Universidade, ferramentas de registro das necessidades dos alunos
Por Beatriz Garcia*
O Politécnico está fazendo aniversário. No dia 18 de setembro, a Biblioteca Latino-Americana Victor Civita (Bibla) inaugurou uma exposição em comemoração aos 80 anos do jornal, escrito pelos membros do Grêmio Politécnico da USP. Além dele, o Jornal do Campus encontrou outras seis publicações que possuem a participação de estudantes em sua produção ou distribuição.
Entre os materiais de O Politécnico expostos na biblioteca estavam páginas de matérias opinativas e informativas abordando questões como o petróleo brasileiro, a energia atômica no Brasil e até a repressão policial do período da ditadura. Para os organizadores da exposição, a seleção expõe o objetivo dos jornais universitários: abordar temas de interesse dos estudantes e gerar engajamento em pautas importantes.
No evento de 80 anos da publicação, o jornalista e pesquisador do tema Carlos Dias, do Valor Econômico, pontuou a relevância histórica do jornalismo universitário e da mobilização da juventude. “Com a proibição das reuniões e protestos no período da ditadura, o melhor jeito para transmitir ideias era escrevê-las e distribuí-las clandestinamente, e isso foi muito eficiente”, afirma.
Essa função foi muito exercida pelos jornais uspianos. O atual diretor-chefe de O Politécnico, Diego Roiphe, explica que “o jornal surgiu em 1944 e, já na primeira edição, há o relato de que foi registrado como boletim informativo, e não como jornal, porque o pedido de registro foi negado”. Segundo ele, a classificação foi contestada, chegou às mãos do então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, mas foi negada novamente pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
Algumas edições trouxeram contestações à repressão e censura. Em uma de suas capas mais emblemáticas, de abril de 1973, intitulada “Censura e Gastronomia”, o jornal contestou a substituição dos textos jornalísticos por receitas. Na época, o periódico se chamava Poli Campus e publicou mais cópias do que o normal, distribuindo 3.800 exemplares em toda a universidade.
Prisões injustas, desaparecimentos misteriosos e invasões de CAs, tornaram-se tão corriqueiros que, atualmente, quando se fala em arbitrariedades desta natureza a pergunta que se ouve é: “Quantos foram desta vez?”
Poli Campus, Editorial de abril de 1973
Participação estudantil
Na USP, os jornais feitos pelos estudantes estão espalhados por vários institutos. Alguns deles são o Jornal Malê (curso de Ciências Moleculares), O Bisturi (curso de Medicina), O Condutor (curso de Engenharia Elétrica e de Computação) e CAEABoa? (curso de Engenharia Ambiental).
O jornal O Visconde, foi criado pelo Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) e também contém registros do período da ditadura. Na época, o chamado Cairu Jornal denunciou as violências que os alunos do CAVC sofreram até mesmo por parte de outros estudantes que discordavam do posicionamento dos integrantes.
Em entrevista ao JC, o ex-diretor do jornal O Visconde, Mauro Trevisan, explica que “a ditadura acabou interferindo na forma como o ensino de economia e administração era dado, e isso foi registrado de forma informativa para evitar a censura”.
Tanto O Visconde quanto O Politécnico têm versões físicas que são distribuídas até hoje pelo campus ou pelo instituto do qual faz parte. A redação é formada pelos integrantes do órgão responsável (grêmio ou centro acadêmico), mas abrem para a participação de todos os estudantes para envio de textos ou artes.
Produção externa
Além destes, o jornal quinzenal A Verdade, que já tem 300 edições publicadas, também circula pelo campus. A estudante de Artes Cênicas Júlia Urioste conta, em entrevista ao JC, que seu alcance é nacional e tem o caráter mais militante.
Diferente dos jornais criados e produzidos na USP, o periódico é escrito por pessoas de diferentes lugares do país e os textos passam por uma curadoria que seleciona os temas mais em alta para publicação na versão impressa. Ele é idealizado por uma série de movimentos sociais ligados à Unidade Popular (UP), partido político registrado em 2019 que defende ideias socialistas.
O jornal A Verdade também já se mobilizou politicamente em favor dos estudantes da USP. Júlia conta que a publicação da pauta a respeito da greve estudantil da USP em 2023, por exemplo, foi importante para mostrar a perspectiva dos estudantes que, segundo ela, não foi integralmente relatada na imprensa tradicional. “Toda vez que a greve aparecia na grande mídia era com a perspectiva da Reitoria e das diretorias que não queriam que ela acontecesse”, afirma.
*Com edição de Alicia Matsuda