Funcionária conta com apoio da comunidade para equilibrar trabalho e maternidade
Escrito por Alicia Matsuda*
Marta Stephan, técnica de laboratório no Instituto Oceanográfico (IO), é uma das mães da Escola de Aplicação (EA) que divide a vida na USP entre trabalho e maternidade. A laboratorista está na Universidade desde o estágio, feito no Instituto de Biociências (IB) nos anos 1980. Com o nascimento de Igor, em 2012, a relação de Marta com a Cidade Universitária deixou de ser apenas profissional: “Meu filho é filho da USP, porque ele nasceu no Hospital das Clínicas, depois nós conseguimos a Creche e, em seguida, a Escola de Aplicação, e todas as atividades dele são aqui”.
A cada ano, das 60 vagas abertas para a Escola de Aplicação (EA), 20 são reservadas para filhos de funcionários da USP, que podem ali concluir até o Ensino Médio. Ao longo da década na EA, essas crianças perpassam o mundo universitário que as rodeia. Afinal, almoçam no Bandejão Central, se exercitam no Centro de Práticas Esportivas (CEPE) e frequentam institutos como a Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), a Faculdade de Educação (FE) e o Instituto de Matemática e Estatística (IME). Ao Jornal do Campus [NEGRITO], Marta conta: “a nossa rotina é isso: natação na EEFE, xadrez no IME, capoeira no CEPE, inglês na FE… Se não fosse isso, eu não iria conseguir, não iria dar para aguentar”.
O impacto do filho no ambiente de trabalho começou quando Marta saiu dos navios da Oceanografia, onde ela passava semanas a bordo, entre as bases de pesquisa e o alto mar. “São 34 anos que trabalho na USP e, por 21, eu não fiz nada por mim. Aproveitei pouco, não dei continuidade a curso nenhum”, diz a laboratorista, que agora já se aventurou nas aulas de ioga oferecidas no CEPE. A convivência no campus também estreita a proximidade entre mãe e filho: “Eu não quero perder nada do crescimento dele, porque eu tenho 61 anos, tive o meu filho já idosa”.
A rotina destes filhos da USP dentro do campus depende das comunidades de mães, sejam funcionárias ou esposas de funcionários, que cooperam no que Marta diz ser “uma total rede de apoio”. A laboratorista relembra a parceria de quando passou por uma série de tratamentos, em decorrência de câncer na tireoide, mioma e linfoma cutâneo de células T. “Os meus médicos eram todos na parte da tarde, então esse grupo de apoio das mães me ajudou. Muitas vezes, crianças chegam a dormir na casa da gente por dois, três dias, porque a mãe está doente e o pai não consegue fazer o corre. Não só elas me ajudam, como eu ajudo elas também, porque senão, iria ser impossível.”
Muitas vezes, crianças chegam a dormir na casa da gente por dois, três dias, porque a mãe está doente e o pai não consegue fazer o corre.
Marta Sthepan
Crianças na USP
Somadas, as turmas da EA não chegam a 1% dos estudantes da USP. Minoria, estas crianças se adaptam a estruturas pensadas para gente grande. Nos encontros semanais de xadrez e de capoeira, por exemplo, Igor joga com adultos, sendo ele a exceção aberta pelos instrutores. Ainda que proveitoso, ele sente falta de crianças no seu dia a dia. “A criação familiar dele foi com adultos, então essa convivência não é difícil. Mas ele manifesta ficar meio encabulado, meio quieto, porque adultos são mais sérios. Sem a brincadeira, não é a mesma coisa que fazer capoeira com uma criança da sua idade”. A laboratorista destaca ainda que, em meio aos graduandos, pós-graduandos e docentes, Igor entra em contato com tópicos menos latentes fora da USP, como discussões sobre gênero e política. “Aqui há a possibilidade de mostrar para o teu filho a diversidade de escolhas, pensamentos e culturas. Eu tenho que explicar tudo para ele e nunca tive papas na língua”.
“Estar aqui me trouxe recurso para poder dar uma educação variada para o meu filho, em termos de esporte, línguas, cultura”, afirma Marta, que destaca as idas da turma ao CINUSP. “Eu vou liberar tudo que o Igor puder fazer aqui, porque é conhecimento”. Transitar em grupos pela Cidade Universitária promove a autonomia dessas crianças, que se preparam em um ambiente controlado para a vida além destes muros. Preocupadas com as questões de segurança no campus, as mães monitoram os filhos com tags de localização, telefonemas frequentes e aplicativos de rastreamento. “Uma hora eles têm que desgrudar da saia da gente e saber o caminho para o bandejão”.
A imersão universitária na infância parece influenciar os planos de futuro do pré-adolescente. Marta Stephan reforça a ele: “Você é filho da USP, você trate de arrumar uma maneira de entrar na USP. Olha as oportunidades que você tem aqui em tudo o que quiser. Hoje, você faz inglês, mas pode fazer italiano, árabe, russo. Você pode fazer um mundo disso aqui”.
*Com edição de Lara Soares