Presença de mulheres na ciência ainda é insuficiente

Em homenagem ao aniversário da cientista Marie Curie, pesquisadoras refletem sobre o cenário atual das ciências exatas na USP

Mestranda Catherine T. Nakatsugawa realiza purificação de uma proteína produzida a partir de DNA modificado, utilizando a técnica de cromatografia de afinidade. Foto: Marina Giannini/JC

Texto por Marina Giannini*

No dia 7 de novembro é celebrado o aniversário de um dos maiores nomes da ciência: Marie Curie. Aos 36 anos, a cientista fez história ao se tornar a primeira mulher a receber um Prêmio Nobel e a primeira pessoa, dentre cinco, a recebê-lo duas vezes. O primeiro em Física, em 1903, por demonstrar a existência da radioatividade natural, e o segundo em Química, em 1911, pela descoberta dos elementos rádio e polônio. Mais de um século depois, a presença feminina nas ciências exatas parece avançar a passos lentos no meio universitário. Inspiradas pela trajetória de Curie, pesquisadoras da USP refletem sobre os desafios persistentes na luta pela equidade na pesquisa científica.

Na Escola Politécnica, as mulheres correspondem a apenas 20% dos estudantes de graduação, embora uma proporção maior continue na pós-graduação, chegando a 26%. A desigualdade é ainda mais acentuada no corpo docente, no qual apenas 13% são professoras. Liedi Bernucci, primeira mulher a assumir a direção da Poli, relatou ao JC a experiência enquanto diretora. “Durante minha gestão, busquei mostrar que as mulheres podem ocupar posições de liderança na engenharia. Precisamos abrir portas para que mais mulheres possam ingressar na área, não apenas representá-las”.

Na Física, o cenário também é díspar. Atualmente, as mulheres representam cerca de 29% dos alunos de graduação, enquanto os homens somam 71%. Elisabeth Yoshimura, professora titular no Instituto, relembra que ao ingressar, em 1972, havia poucas mulheres em sua turma. “Na época, quase não se falava sobre os desafios que as mulheres enfrentavam, mas os obstáculos estavam lá, muitas vezes de forma implícita”, reflete Elisabeth. Ela se especializou em dosimetria de radiação, área essencial para aplicações médicas, e tem contribuído para avanços significativos em proteção radiológica.

No topo da carreira acadêmica, a situação se agrava. Edilaine Honorio da Silva, também professora no Instituto de Física, narra experiência semelhante, apesar de ter percebido uma melhora ao longo dos anos. “Mesmo com equipes majoritariamente compostas por mulheres, a maioria dos grupos de pesquisa ainda é liderada por homens”, aponta. A docente ressalta que a ausência de mais referências femininas nas ciências exatas acaba desestimulando jovens a seguir nessa área, dificultando a mudança deste cenário.

“Nunca tive uma situação explícita de ser prejudicada por ser mulher, mas enfrentei muitas situações implícitas, como comentários que não dizem respeito à pesquisa em si”

Nadja Souza Pinto

Sub-representação

Embora o número de alunas em áreas de exatas ainda seja relativamente baixo, em campos como as ciências biológicas a participação feminina é expressiva. Isso revela uma tendência na qual as mulheres têm mais representatividade nas ciências naturais e biomédicas, mas enfrentam barreiras mais significativas em ciências exatas, como física, química, engenharia e matemática.

Em comparação a outros países, a USP tem uma longa trajetória pela frente. Enquanto a Escola Politécnica apresenta 20% de alunas na graduação, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), por exemplo, tem 38% de participação feminina nos cursos de engenharia. Esse contraste ressalta os desafios culturais e estruturais que persistem no Brasil, onde as políticas de incentivo são muitas vezes insuficientes para garantir a equidade.

“As mulheres, no início da vida profissional, precisam enxergar aquela carreira como uma possibilidade. Para isso, elas precisam ter exemplos, e ainda não temos muitos”, observa Nadja Souza Pinto, professora titular do Departamento de Bioquímica da USP. Liedi Bernucci reforça que a promoção da equidade de gênero na ciência deve começar antes da universidade. “É essencial incentivar meninas a considerarem a engenharia e outras ciências exatas como opções viáveis desde cedo”. Ambas destacam que aumentar a visibilidade de cientistas mulheres e promover ambientes mais acolhedores são passos fundamentais para romper barreiras culturais.

No Laboratório de Genética Mitocondrial, do Instituto de Química, pesquisadores de graduação e pós-graduação investigam os mecanismos de reparo do DNA mitocondrial, relacionado a doenças como o câncer e a neurodegeneração. A coordenadora do grupo ressalta que comentários que colocam em dúvida a competência de pesquisadoras, mesmo que de forma velada, não podem ser tolerados. “Essa desconfiança sutil pode minar a autoestima de mulheres enquanto cientistas”, pontua Nadja.

A sub-representação de mulheres negras nas ciências exatas agrava ainda mais o quadro de desigualdade. Embora o número de alunos negros na graduação venha crescendo, impulsionado principalmente pela política de cotas, essa realidade não se reflete no corpo docente. A desigualdade racial sobrepõe-se à de gênero. No Instituto de Física, por exemplo, os homens representam aproximadamente 78% do corpo docente e as mulheres, cerca de 22%. Contudo, apenas 5% de todos esses professores se autodeclaram pretos ou pardos, e nenhum como indígena.

Para combater essas barreiras, as pesquisadoras defendem a manutenção de cotas e outras medidas inclusivas. “Precisamos criar um ambiente onde todas as mulheres possam desenvolver suas carreiras sem terem que provar constantemente sua competência”, enfatiza Elisabeth.

Legado de Curie

A influência de Marie Curie vai além das descobertas científicas. Em 1903, ela se tornou a primeira mulher a obter um doutorado na Universidade de Paris e, pouco depois, a primeira professora da instituição. Impedida de discursar na Royal Institution de Londres por ser mulher, Curie persistiu em sua pesquisa inovadora sobre a radioatividade. Após a morte do marido, envolveu-se com Paul Langevin, um físico francês casado, o que a expôs a ataques públicos que buscavam desviar o foco de suas contribuições científicas para sua vida pessoal. Para as entrevistadas, ela é um exemplo de resiliência e dedicação à ciência, enfrentando a discriminação tanto como mulher quanto como estrangeira na França. “Ela superou muitos preconceitos em nome de um ideal: entender a natureza”, reflete Edilaine.

*Com edição de Beatriz Haddad