Contos passados por gerações de uspianos ajudam a escrever a história da Universidade
Escrito por Renan Affonso*
De ex-alunos jubilados transformados em cães perdidos pelo Campus até curso secreto que ninguém consegue comprovar a existência, histórias e lendas urbanas circulam por todos os cantos da Universidade de São Paulo e fazem parte do cotidiano uspiano.
Em 2022, viralizou nas redes sociais um meme com o título de “Iceberg da USP”, no qual a figura de um iceberg foi dividida em camadas de lendas e histórias da Universidade. Algumas delas fazem referência a personalidades das artes e da política, como os nomes de professores da Universidade eleitos para cargos políticos. E outras, referências mais nichadas e internas, como uma possível bomba atômica produzida no IPEN ou encontros secretos no Largo de São Francisco.
Sociedade secreta
Localizado no centro da cidade, o prédio histórico da Faculdade de Direito da USP, conhecida como Sanfran, é cenário de uma variedade de lendas que percorrem toda a história centenária da instituição. Grande parte destas estão ligadas à morte de Julius Frank, antigo professor influente que teve o corpo enterrado em um dos pátios internos da faculdade.
A aluna do segundo ano de direito, Isabella Perazza, conta: “existe a história da sociedade secreta da chave, em que professores e alunos selecionados marcavam encontros dentro da Sanfran distribuindo as chaves de uma das salas de aula”. A aluna se refere à Burschenschaft Paulista [itálico] – popularmente conhecida como Bucha [itálico] – sociedade fundada pelo professor Frank em meados de 1830.
As lendas que circulam sobre a sociedade de Frank e sua morte, fazem os franciscanos acreditarem em superstições que tornam o falecido professor uma espécie de amuleto para boas notas. “Os alunos do ensino médio vêm visitar a Sanfran e passam a mão nas corujas do túmulo para terem um bom desempenho no vestibular”, explicou Christian Alonso, graduando da faculdade.
Os Cursos Secretos
Esse universo oculto da USP também existe na Cidade Universitária, no bairro do Butantã, e a criatividade dos estudantes resultou na propagação da ideia de que cursos secretos são ministrados.
O primeiro deles é o curso de Ciências Moleculares, que apesar de realmente existir e não ser secreto, é desconhecido e causa estranhamento em alunos por não ser oferecido como opção de ingresso no vestibular. Sediado no InovaUSP, Centro de Inovações da Universidade, o curso possui um processo seletivo particular, que seleciona estudantes regulares dos cursos de graduação das diferentes unidades da USP no final do primeiro semestre de cada ano.
Em uma outra circunstância, circulou o boato de que um curso de “marxismo aplicado a yoga em linguagem de sinais” começaria a ser lecionado na última década. A Universidade rapidamente negou a existência do programa na época em que a informação surgiu entre os alunos.
Apenas histórias?
Para além de mitos e histórias fantasiosas, alguns casos reais são espalhados em meio a boatos no dia a dia. Esse é o caso da Escola de Artes Ciências e Humanidades (EACH), construída em cima de um terreno anteriormente utilizado para descarte de resíduos da cidade – situação que contaminou seu solo com gases tóxicos.
Isabella Queiroz, aluna do curso de Gestão Ambiental da EACH, explica que é comum escutar boatos, não oficiais, sobre o perigo de andar pelos espaços da faculdade. Já nos primeiros dias de aula, os alunos veteranos repercutem essa história e alertam sobre a segurança no campus. “A gente sempre comenta, em tom de brincadeira, que podemos passar mal lá dentro”.
As lendas urbanas existem e circulam a partir de uma série de mecanismos da comunicação humana e operam com uma estrutura narrativa, que encontra um solo comum nos imaginários sociais compartilhados entre as pessoas. É o que afirma Rosana de Lima Soares, docente da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Assim como os contos de fada, as lendas são narradas de maneira ficcional, mobilizando emoções como o medo, mas a partir de elementos que são dados da realidade.
Rosana de Lima Soares
Sobre a capacidade que as lendas urbanas têm de criar e unir comunidades, Rosana aponta que “a USP é um lugar muito grande e muitas vezes separado da cidade, no sentido geográfico, mas também pensando que existe um caminho difícil e inacessível para fazer parte dessa comunidade. Então tem um caráter de orgulho entre as pessoas que estão aqui dentro”.
A professora ainda analisa o risco de uma dessas histórias propagarem desinformação entre a população. Isso porque, de acordo com a especialista, as lendas circulam com o mesmo mecanismo das fake news [itálico]: o artifício de familiaridade entre as pessoas, que confiam e acreditam umas nas outras e levam essas histórias para frente.
Apesar disto, Rosana conclui que não se pode considerar as lendas urbanas como um risco para sociedade. “As lendas têm um caráter pedagógico e comportamental de trazer ensinamentos para um grupo, diferente das fake news que visam o controle ou a manipulação de pessoas”.
*Com edição de Isabella Gargano