Matérias devem ter gancho e entregar o que prometem

Por Isabel Seta

Uma campanha iniciada em 2011. Uma lei promulgada meses atrás. O aniversário de uma cientista nascida no início do século passado. Outro aniversário, este de 36 anos de um sindicato. Uma greve de um ano atrás. Estes são alguns dos “ganchos”, no jargão jornalístico, de reportagens da última edição do JC.

O objetivo do gancho é conectar os fatos descritos em uma matéria à realidade, dando atualidade ao reportado. Mais do que isso: diante da grande quantidade de fatos que se desenrolam todos os dias e da variedade de histórias que podem ser contadas em um jornal, o gancho deve justificar a existência de determinada matéria – explicitar, portanto, o motivo de uma pauta ter sido escolhida em detrimento de tantas outras possíveis. É ele que deve convencer o leitor que determinada história merece ser lida.

Os ganchos da última edição são fracos em todos esses sentidos. Não têm atualidade – poderiam estar em edições de meses e, em alguns casos, de anos atrás. Também não explicitam a importância dos assuntos tratados (como a baixa presença feminina em graduações de exatas), nem relacionam a temática com a vivência universitária (como na matéria sobre a campanha Novembro Azul).

Outros se valem de datas comemorativas como justificativa. Deixo a vocês um conselho que recebi quando era produtora do podcast O Assunto: efeméride pela efeméride não vale. Não é notícia – menos ainda se for uma data “quebrada”. Efemérides podem inspirar reportagens quando 1) rendem denúncias por inação ou pouca mudança dos fatos; 2) promovem discussões inovadoras ou que ainda não foram realizadas; 3) resgatam uma memória esquecida, porém conectada com a realidade atual; 4) dão chance de abordar fatos novos.

As demais reportagens da edição padecem de outro problema: nem sequer possuem ganchos – a exceção sendo a matéria sobre as cotas trans, PCD e indígenas, a única mais noticiosa da edição. A impressão que dá é de que se tratavam de temas de interesse dos repórteres, que não apresentaram elementos (como um fato novo, a publicação recente de uma pesquisa, a realização de um evento, a declaração de uma autoridade, e por aí vai) para justificar ao leitor o por quê destas matérias terem sido publicadas em novembro de 2024.

Além de apresentar ganchos claros e bem fundamentados, boas matérias jornalísticas devem entregar o que prometem ao leitor, o que também não aconteceu em algumas reportagens. O que é mencionado na manchete ou na linha fina (e, especialmente, na capa da edição), precisa obrigatoriamente estar contemplado no texto – e com destaque!

Sei que esta é a última edição da turma e que, portanto, o alcance dos meus apontamentos para o JC é limitado. Espero, porém, que sejam úteis para as próximas experiências dos jovens jornalistas. Por isso, deixo uma última avaliação: uma reportagem sempre ficará mais completa, complexa e gostosa de ler quando mais de uma pessoa for ouvida. Reportagem é sempre um recorte de intrincadas redes de acontecimentos, mas é preciso fazer um esforço de apreensão e compreensão da realidade, o que é impossível ouvindo apenas uma ou duas fontes. Se hoje já não gastamos tanto mais a sola do sapato, no mínimo vale gastar os dedos no celular na busca de mais gente para escutar.