Nas cordas de um passado longínquo

Por João Chahad

Durante a produção deste jornal, no dia 21 de novembro, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra cometidos na região do Levante Árabe. Entre as guerras de discursos que inflam o ego de um Ocidente em declínio, a perseguição a milhares de palestinos e libaneses segue em curso. A reportagem da capa (p. 10) desta edição busca demonstrar que austeridade e tirania vão além das terras entre o Rio e o Mar.

O processo aberto contra cinco estudantes da Universidade acusados de antissemitismo está recheado de incongruências. O Regime Disciplinar da USP, criado durante os Anos de Chumbo e usado na acusação contra os militantes pró-Palestina, possui cláusulas subjetivas e apelativas, como a qualificação da manifestação como “ato atentatório à moral ou aos bons costumes”. A USP exala uma hipocrisia orgulhosa ao usar normas que já foram desqualificadas por ela mesma, por meio da própria Comissão da Verdade (CV-USP), e convulsiona em tentar impor um controle sobre as vozes que bradam ao redor do globo. 

Vivemos em tempos sombrios que exigem uma reformulação das amarras do passado. Se libertar dos grilhões da Ditadura parece ser um primeiro passo necessário, mesmo que com décadas de atraso, para vermos uma Universidade mais inclusiva. Porém, não nos limitemos a isso.

Em um mundo com relações trabalhistas cada vez mais complexas e precárias (p. 4 e 5), a USP entra na lógica neoliberal de ampliar a dependência do capital privado (p.8 e 9). Esse movimento de precarização também é encontrado na vizinhança regional (p. 3), e já demonstra consequências enormes para a educação argentina. Além disso, as poucas vozes negras na docência da USP (p. 7) denunciam uma forte herança colonial, arraigada no conservadorismo institucional. Podemos complementar, também, a persistência de preconceitos mais invisibilizados que ainda são latentes na sociedade brasileira, como aqueles contra portadores de IST (p. 13). 

Em uma universidade permeada por amarras, há quem as use pelo prazer (p. 16). Mas destacamos também aqueles que sabem o que do passado deve ser levado à eternidade por meio de homenagens (p. 6). Com o fim de um ano e o retorno a outro (p. 15), a turma de jornalismo que fecha o seu ciclo no JC manterá a promessa de revelar as cordas que devem ser cortadas para produzir um jornalismo mais libertador e diverso.. Aproveite a leitura.