Onde estão os docentes negros, negras e negres?

Professores compartilham suas experiências no ensino dentro e fora da Universidade de São Paulo

Foto 1: Pedro Morani/JC 2 e 3: Acervo Pessoal

Texto por Ester Nascimento*

Com 90 anos de história, a USP segue limitada em relação à inclusão de pessoas negras no corpo docente. Atualmente, apenas 136 professores pretos e pardos compõem o quadro de 5.182 docentes; menos de 3% do total. Essa desigualdade cresce conforme o cargo aumenta: no nível de Professor Doutor são 67 docentes, 59 no nível Professor Associado e apenas 10 são professores titulares. Em 2022, o Coletivo de Docentes Negros da USP apresentou à reitoria uma proposta de ações afirmativas, que incluía reserva de vagas e apoio à progressão de carreira, a fim de garantir um ambiente acadêmico menos hostil às pessoas negras.

A greve de 2023 reiterou as demandas do Coletivo ao exigir a contratação de docentes e a aplicação das cotas nos concursos.Contudo, segundo informações da edição nº 544 do JC [bold], a contratação dos 1.027 professores acordada ao final da greve segue a passos lentos. Somente em agosto, quase um ano após a mobilização, foi aberto o primeiro processo de contratação com reserva de vagas, no Instituto de Biociências (IB).

Vivências

Dennis de Oliveira é docente da USP há 21 anos e foi aprovado em outubro deste ano para ser professor titular na Escola de Comunicações e Artes (ECA). A carreira de Oliveira começou em 1987, como professor da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Na Universidade desde 2003, ele expõe os desafios da época para continuar no cargo, devido à forte elitização da instituição. Além disso, o professor fala sobre a solidão nesses espaços: “Sempre foi uma carga muito complicada, muito solitária. Não só o fato de terem poucos professores negros, mas o fato dessa temática do combate ao racismo ser sempre algo colocado em último plano.”

O professor Ecivaldo Matos, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Campus de Ribeirão Preto da USP, também conta um pouco da sua trajetória na docência enquanto pessoa negra. Docente do Ensino Superior desde 2005, ele deu aula em diversas instituições de ensino, como a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Há pouco mais de um ano como professor titular na USP, ele relata que enfrenta desafios relacionados ao racismo, embora manifestados de formas distintas: “A forma de expressar o racismo é diferente da Bahia para o interior de São Paulo, da UFBA para a USP, mas é um enfrentamento diário”.

Entre as estratégias para encarar o racismo na Universidade enquanto docente, o professor Ecivaldo reforça a necessidade de se aquilombar “para fortalecer não só a luta do coletivo, mas a própria luta no individual”. Isso também é enfatizado pelo professor Dennis, que destaca a militância no movimento negro como fonte de apoio para navegar nesses espaços: “foi o que me salvou dessas dificuldades”, diz.

Políticas afirmativas

Eunice Almeida, docente há 44 anos e professora livre docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) desde 2013, compartilha a sua experiência nos concursos públicos da USP. Ela afirma que prestou a prova três vezes antes de ser aprovada e, em todas que prestou, afirmou que “não havia explicações evidentes, concretas”, que justificassem a reprovação. Até o momento, os candidatos que prestam o concurso não têm anonimato, especialmente na primeira etapa, a prova escrita, o que interfere na imparcialidade das notas atribuídas.

“É muito bacana ter mais referências para os jovens negros. Espero que inspire as novas gerações a ver outras possibilidades”

Dennis de Oliveira, professor titular da ECA-USP

O professor Dennis avalia que as medidas de ações afirmativas adotadas nos concursos feitos a partir de 2023 ainda são insuficientes. “Houve um avanço nas cotas para funcionários públicos, mas isso [ocorreu] em função de uma demanda do Ministério Público”. A Lei de Cotas estabelece a obrigatoriedade da medida quando houver mais de três vagas no mesmo edital. Entretanto, como a maioria dos concursos para docentes são para uma única vaga, legalmente, não é possível aplicar as cotas. Em adição, a professora Eunice ressalta a importância das políticas públicas, que devem ser aplicadas para o ingresso de docentes negres: “A minha experiência nos concursos da EACH foi muito amarga. Almejo que os mais novos não passem pelo que passei.”

Inspiração

Para os professores, o cargo de docência na USP é fruto da luta coletiva que os fortaleceu ao longo da vida, do apoio familiar e das demais pessoas que o ajudaram pelo caminho, como estudantes, professores e amigos. “Para mim a conquista do título de livre docente é motivo de alegria por ser um título que consolida a minha carreira acadêmica, mostra o quanto já contribui e continuo contribuindo com a sociedade”, afirma a professora Eunice.

Também significa novas responsabilidades: “O professor titular representa um cargo daquele que está ali para começar um processo de luta dentro da Universidade de São Paulo”, afirma o professor Ecivaldo. Além disso, Dennis fala sobre a importância do título para a construção da agenda antirracista e da possibilidade de oferecer apoio e inspiração aos profissionais negres do futuro: “É muito bacana ter mais referências para os jovens negros. Eles podem ser jornalistas, professores, engenheiros, tem várias possibilidades. Espero que inspire as novas gerações a ver outras possibilidades também.”

*Com edição de Marina Giannini