Pela frente e por trás das câmeras

Léo Utida, publicitário formado pela ECA, é produtor de conteúdo adulto por escolha e pesquisou criadores que trabalham em um ramo sem direitos trabalhistas

Texto por Pedro Morani*

Há dois anos, Léo começou a sua carreira como produtor de conteúdo adulto. Na época, ele ainda era graduando de Publicidade e Propaganda na Escola de Comunicações e Artes (ECA). Assim como muitas outras pessoas ao redor do mundo, Léo foi atraído para essa nova forma de remuneração pela promessa de autonomia econômica. 

“Foi uma escolha. Na época, eu não pensava nem que seria uma profissão, achava que entraria algum dinheiro, mas nunca pensei que se tornaria uma quantia relevante”, conta Léo. Com uma bagagem diferente da maioria de outros colegas de profissão, o jovem publicitário utilizou da passagem pela academia para refletir sobre a indústria pornográfica – que no olhar de alguns, parece assustadora.

Em uma onda de incentivo ao empreendedorismo, por meio de influenciadores e coachs, e até mesmo a grande mídia, atualmente os empregos por carteira de trabalho (CLT) – confira a página X – estão sofrendo descrédito. Os direitos assegurados pela caderneta azul são colocados em xeque por promessas bem mais lucrativas. As plataformas de conteúdo adulto se beneficiam da precarização dos direitos trabalhistas e da informalidade para atrair novos produtores de conteúdo. Na monografia entregue como trabalho de conclusão de curso, o estudante apontou que as campanhas publicitárias dessas plataformas, que chegam até mesmo nos espaços públicos, como estações de metrô, com o slogan “monetize liberdade”, atingem várias pessoas que realmente acreditam nessa possibilidade. 

Por outro lado, ele afirma que, em uma tentativa de autopromoção, alguns criadores incentivam esse discurso. Um exemplo é a música da criadora Bibi Babydoll, que viralizou no TIkTok: “Eu não nasci para trabalhar como CLT, abri um OnlyFans e é foto que eu vou vender”. Na visão de Léo, esse discurso incentiva um estigma muito grande atrelado à profissão, que atinge principalmente mulheres e pessoas LGBT+, cujo trabalho é constantemente desacreditado e invalidado. 

“E aí eles [os criadores] tentam rebater isso falando ‘não, eu ganho bem mais do que você que trabalha como CLT’. Porém, acho que não dá para combater estigmatização rindo da precarização do trabalho alheio”, pontua. Na sua experiência, o publicitário afirma que faz muito mais dinheiro do que se estivesse trabalhando exclusivamente na sua área de formação, mas alerta que essa possibilidade de troca de carreira não é para todos. 

“As pessoas podem até começar a ganhar um dinheiro extra. Mas para conseguir valores altos, o criador tem que atingir um nível considerável de visibilidade, o que não é tão fácil de conseguir”. Ou seja, apesar do discurso sedutor, o crescimento em uma plataforma adulta não é igualitário.

Por ser uma modalidade muito recente, existe uma incógnita quanto às relações de trabalho. Segundo Léo, as empresas de conteúdo adulto, mas também os produtores, precisam discutir qual é a categoria da profissão, e quais são os direitos que devem ser garantidos. “Quando entrevistei cinco criadores para o meu TCC, todos ficaram surpresos quando eu perguntei porque eles nunca pararam para pensar nisso”, relembra o publicitário. 

Teoria e prática

Longe de moralismo, Léo afirma que sempre teve mente aberta e que a produção damonografia revelou um outro lado sobre o trabalho sexual. “A pessoa que produz conteúdo, de fato, está trabalhando. Ainda existe um pouco essa imagem de vilanização do pornô, de que ele é ruim, uma discussão moral que volta bastante na internet”.

O publicitário afirma que seu trabalho de conclusão de curso foi um dos primeiros do país a abordar o tema. Durante a pesquisa, Léo tentou traçar um paralelo entre uberização do trabalho e profissionais do sexo. Mas logo percebeu que isso não é realmente o que acontece, porque não é possível analisar uma perda de direitos de uma profissão que nunca os teve e sempre foi criminalizada e perseguida.  

Segundo Léo, dentro da categoria é visível a diferença entre aqueles que trabalham on-line e os que estão nas ruas, por exemplo. “Na maioria das vezes [os criadores] são pessoas fazendo conteúdo por livre e espontânea vontade, não por necessidade, até porque [o trabalho] exige vários tipos de conhecimento, como inglês e tecnologia”. Então, mesmo que entrem para ganhar mais dinheiro, a grande maioria dos produtores digitais não tem essa profissão como único caminho. 

O publicitário conta que a universidade recebeu bem a monografia, com uma banca composta por pessoas já acostumadas com a temática. O problema surgiu com a divulgação: “Quando eu publiquei, houve uma reação contra o meu trabalho muito grande. Eu esperava que ela viesse de pessoas mais conservadoras, mais ligadas à direita. Mas, surpreendentemente, quem me atacou foram os mais do campo progressista, da esquerda, me acusando de estar incentivando as pessoas a abrirem um OnlyFans”.

Para evitar ficar de fora do mercado publicitário, Léo mantém um trabalho paralelo como editor de vídeos e social media de uma revista virtual. Ele afirma que a carreira de produção de conteúdo adulto é muito instável, principalmente pelo envelhecimento. “Honestamente, eu continuarei fazendo enquanto me der dinheiro”, arremata. 

*Com edição de Nícolas Dalmolim