Grupo de game designers da USP busca ampliar o acesso e a produção de videogames no Brasil

Texto por Samuel Cerri*
É impossível se falar de entretenimento hoje sem citar os videogames. Enquanto o público do Oscar 2024 foi de aproximadamente 19,5 milhões de pessoas, a audiência do The Game Awards 2023 ultrapassou a marca de 118 milhões de espectadores. Somente em 2023, a indústria de games gerou cerca de 183,9 bilhões de dólares, o equivalente ao PIB da Ucrânia.
Por outro lado, apesar do crescimento desse setor, ele permanece restrito a uma parcela da sociedade. Com um custo de produção geralmente elevado e o de consumo ainda maior, os games são vistos como um “produto cultural elitizado”. Thais Weiller, professora no curso de Desenvolvimento de Jogos Digitais na PUC-PR e doutoranda em Game Studies na University of Tampere, diz que essa fama é muito baseada nos chamados triple A – produções de gigantes da indústria de jogos com orçamentos milionários. No entanto, ela ressalta que não se pode generalizar o cenário: “Não dá para dizer que jogos são elitizados como um todo, a maioria dos jogadores e dos produtores não se encaixa nesse perfil. Temos muitos produtores menores [indies], fazendo o melhor e levando em consideração as limitações de hardware que o público pode ter, como o projeto Game e Arte”.
Na USP, um grupo de estudantes encontrou uma maneira de amenizar essa elitização justamente com produções indies (termo usado para designar pequenos produtores de games). Em 2009, foi fundado o grupo de extensão USPGameDev, voltado para pesquisa e desenvolvimento de jogos. Atualmente, o projeto conta com 17 membros que trabalham ativamente em diferentes etapas da produção, além de outros estudantes que participam de forma menos incisiva.
Apesar de ser vinculado ao Instituto de Matemática e Estatística (IME), o USPGameDev é aberto ao público em geral e conta com graduandos de outros cursos. Esse é o caso de Klinsmann Hengles, estudante de letras que participa do grupo desde 2019. Ele conta que a proposta deles é a de democratizar o acesso ao consumo de games no Brasil, especialmente ao processo produtivo. “Nossa principal contribuição é tornar os videogames mais acessíveis. No caso do USPGameDev, ele é mais voltado para o acesso ao conhecimento de como se produzir jogos”.
“Ter começado meu mestrado em game design foi a minha porta de entrada para a indústria. Sem isso eu talvez nunca teria a carreira que tenho agora”
Thais Weiller, professora da PUC-PR, pesquisadora e game designer
Hengles conta que, além de oferecer todos os games gratuitamente, o ponto forte do grupo é publicar todas as suas produções em open source, isto é, com o código de programação aberto e livre para uso. “Qualquer pessoa, mesmo fora da USP, que esteja produzindo um jogo, pode entrar nos códigos que produzimos e utilizar na produção do próprio game”, explica, ressaltando que “a gente oferece treinamentos para a produção de games a qualquer pessoa interessada. Também fazemos projetos individuais ou em conjunto, e qualquer pessoa pode propor seu próprio jogo”.
O USPGameDev também preza pela facilitação do acesso do público aos games. Ainda que a grande maioria das produções seja amadora e apenas para o treinamento dos membros, alguns jogos acabam ganhando mais destaque e, por consequência, um desenvolvimento mais refinado. Esse é o caso de “Charge Kid”, produzido pelo grupo de extensão como mais um projeto dentre vários outros. O que eles não contavam é que uma publisher entraria em contato com a oferta de publicá-lo para Nintendo Switch. Hoje, o game possui duas versões, uma gratuita e open source e outra com algumas modificações, disponibilizada na plataforma da Nintendo e na Steam pelo valor de R$ 4,49.
Infelizmente, a USP não oferece nada além disso quanto a game design. Weiller, que é mestra pela Escola de Comunicações e Artes da USP com o tema “Game Design inteligente”, relata que à época de sua pesquisa sentiu ausência da universidade nesse setor. “Até onde sei, no Brasil não há nenhuma pós-graduação em game studies, que é o nome do campo teórico de estudos sobre jogos. Fazer e pesquisar sobre jogos é uma tarefa multidisciplinar. Sinto que a dificuldade do entendimento de muitas instituições sobre a necessidade de trazer pesquisadores diferentes na formação de núcleos para estudar jogos é justamente essa”.
A docente ainda comenta do equívoco de ver os games apenas como uma produção voltada à área das exatas: “A maioria dos cursos de jogos do Brasil começaram como parte das escolas de computação, de forma que as primeiras turmas se formavam sem entendimento sobre todas as outras áreas essenciais na criação de um jogo”.
Já Klinsmann fala sobre os benefícios que o incentivo a esse setor traz à comunidade universitária e à sociedade. Para ele, os games trabalham em três eixos: o educacional, o artístico e o entretenimento. “Existe um conceito que estudamos no game design chamado flow, que é utilizado na gamificação para manter o engajamento do jogador. É como um ‘estado mental’ em que você tenta manter o jogador entre o estado de frustração pela atividade ser muito difícil ou de tédio por ela ser muito fácil”.
Ele explica que o flow pode ser encontrado no Duolingo e que a plataforma utiliza esse conceito assim como qualquer jogo: ela entende qual o nível do consumidor e apresenta atividades que sejam desafiadoras, mas possíveis de serem realizadas. “Isso é uma teoria que funciona muito na educação, e eu mesmo já utilizei com alunos meus na preparação de aulas”, completa.
Em relação ao artístico e ao entretenimento, Klinsmann cita o crescimento pessoal que alguns games proporcionam. “Os jogos também têm essa capacidade de te colocar no ponto de vista de outra pessoa, contar histórias, assim como um livro ou filme”. O estudante opina que “algumas pessoas saíam para ir a parques, cinemas, etc. Hoje em dia você pode marcar de jogar com os amigos. Videogames não são uma ‘coisa de gente antissocial’, pelo contrário: são uma ferramenta de socialização”.
*Com edição de Davi Madorra