Doação de pugilista promove estudos sobre a Encefalopatia Traumática Crônica

Texto por Lívia Uchoa*
Em outubro desse ano, foi doado o cérebro do ex-boxeador José Adilson Rodrigues dos Santos, o Maguila, para o Banco de Cérebros da Faculdade de Medicina (FMUSP). O atleta sofria há 11 anos com a Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), doença degenerativa causada por múltiplas lesões na cabeça.
Também chamada de Demência do Pugilista (boxeador), a ETC surge principalmente
em atletas de boxe e futebol americano. O neurologista Renato Anghinah, que cuidou do tratamento do lutador, explica que os principais sintomas são divididos em dois grupos. Em pacientes abaixo dos 50 anos, os sintomas iniciais são geralmente ligados ao comportamento.
“Os pacientes podem apresentar irritabilidade, apatia ou um quadro de depressão”, completa. Ele afirma que, já os pacientes que têm mais de 50 anos, podem ter um quadro parecido com as fases iniciais do Alzheimer, como déficit de memória.
Anghinah alerta que os sintomas podem se misturar e apresentar componentes semelhantes à doença de Parkinson, dependendo do quadro de ETC. O neurologista conta que o caso do lutador Maguila se encaixava no primeiro grupo.
O tratamento da doença envolve mitigar os sintomas. O neurologista explica que, a depender do paciente, são prescritos remédios para melhorar a qualidade de vida. “É o caso daqueles que
apresentam mais agressividade, quadros de esquecimento ou déficit atencional”.
“Nós temos trabalhado muito para que os atletas praticantes de esportes que podem levar a traumas no crânio tenham proteção”, explica. O médico conta que em esportes como Boxe e MMA, a proteção ainda é baixa, mas em no futebol brasileiro e americano, teve progresso. Um exemplo é a instituição do “cartão rosa” na Copa América 2024, utilizado quando há suspeita de traumas cranianos e concussões
após uma jogada perigosa.
Atualmente, a Demência do Pugilista não tem cura e apresenta riscos também para indivíduos que sofrem traumas repetidos, como trabalhadores da construção civil. “A doença acomete também as mulheres vítimas de violência doméstica”, relata o Anghinah.
Doações para a USP
A coordenadora do Biobanco para Estudos em Envelhecimento (BEE), Dra. Renata Leite, conta que a maioria das doações de cérebros são feitas no momento em que a família vai até o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) da USP para liberar a autópsia.
Ela explica que, por lei, todos os óbitos sem causa exigem autópsia, procedimento que busca determinar a causa da morte. “Temos uma equipe que entra em contato com a família para
explicar o que é o Banco, as pesquisas e objetivos. Se concordarem em doar, vamos para a entrevista com a clínica, para entender os aspectos funcionais e cognitivos do órgão”.
No caso do Maguila, a doação aconteceu com interesse manifestado por ele, ainda em vida, seis anos atrás. Ela conta que isso foi possível devido ao diagnóstico prévio da doença e acompanhamento médico. “É uma enfermidade que já estava em tratamento, mas que ainda tem perguntas em aberto, por ser uma condição muito recente”, explica. A coordenadora conta que o Biobanco tem uma parceria com neurologistas para estudar a Encefalopatia Traumática Crônica em atletas brasileiros. Além do Maguila, o BEE também recebeu doação do cérebro do ex-jogador de futebol Hilderaldo Luís Bellini e do ex-pugilista Éder Jofre.
“Depois que o cérebro entra, ele deixa de ser identificado como do Maguila ou de alguma pessoa importante e passa a ser de um indivíduo que colaborou com a pesquisa”, comenta Renata. Para ela, a divulgação da iniciativa por parte dos famosos é importante para a promoção de campanhas de conscientização e prevenção das doenças.
A médica ressalta que doações como a do boxeador são raras no Biobanco, e que o foco é no estudo de cérebros aparentemente saudáveis, doados pelos familiares durante a realização do exame de autópsia. “Nós temos muitos casos de cérebros cognitivamente ‘normais’, com doenças em estágios iniciais, mas que não apresentaram sintomas em vida”.
“Normalmente vamos atrás das doações, mas pretendemos no futuro ter um programa maior, porque recebemos muitas ligações e emails de pessoas que realmente querem ajudar”, conclui Renata.
*Com edição de Sofia Zizza