Número de casos de HIV cai em São Paulo pelo sétimo ano consecutivo, mas preconceito ainda é grande

Texto por Fernanda Zibordi*
A chegada do último mês do ano vem acompanhada da campanha Dezembro Vermelho, que visa conscientizar a população sobre a prevenção à Aids, HIV e outras IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis). A cidade de São Paulo conta com 28 unidades de atendimento que oferecem serviços de testagem, diagnósticos, consultas e profilaxias para essas e outras infecções como sífilis e hepatites virais B e C.
Segundo dados do último “Boletim Epidemiológico de HIV/Aids e Sífilis” da capital paulista, os números de infecções por HIV se encontram em queda pelo sétimo ano consecutivo. O resultado faz jus ao investimento em estratégias de prevenção combinada e de controle da infecção pelo vírus. “A interação entre a infecção por HIV e as outras IST é reconhecida cientificamente. Sabe-se que a sífilis, a gonorreia, a infecção por clamídia, entre outras, aumentam o risco de aquisição e transmissão do HIV”, explica Aluisio Segurado, professor titular da Faculdade de Medicina e pró-reitor de Graduação da USP.
Dentro do ambiente da Cidade Universitária, o médico destaca o concurso-festival “Fazendo Arte com Prevenção” como atividade de promoção da campanha de dezembro. Coordenado pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP, a ação propôs a alunos, professores e funcionários o compartilhamento de ações artísticas usando insumos de prevenção – camisinhas, lubrificantes, vacinas, PeP e PreP.
Disparidades
Desde 1982, data do primeiro registro de HIV positivo no Brasil, medicamentos e métodos de tratamento para essa e outras IST tiveram grandes mudanças, de forma que a possibilidade de conviver com um diagnóstico tornou-se uma realidade. Novas políticas públicas e não governamentais foram, ao longo do tempo, sendo adotadas no país.
Uma das principais é o oferecimento de atendimento, diagnóstico, medicação e tratamento a pessoas vivendo com HIV/Aids de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A medida não só melhorou a qualidade de vida de muitas pessoas, mas também “levou à redução expressiva da incidência de Aids, do número de internações hospitalares e de óbitos pela doença em nosso país”, como descreve Segurado.
Apesar dos avanços e da queda de casos num geral, São Paulo registrou 1705 novas infecções por HIV só em 2023, além de que disparidades de raça e gênero ainda afligem os percentuais de infecção e de mortes. Não apenas a taxa de detecção de Aids por 100 mil habitantes permanece maior em pessoas pretas (31,1) e pardas (14,4) em relação às brancas (7,4), como também a taxa de mortalidade entre pessoas pretas foi três vezes maior do que entre pessoas brancas (9,6 contra 3,0, respectivamente). Enquanto as diferenças por sexo, a taxa de mortalidade entre mulheres teve uma queda menos acentuada, mesmo que haja uma predominância das detecções entre os homens.
Para Alexandre Viola e Dayana Dias Carneiro, o desafio atual é garantir serviços de saúde humanizados e de qualidade a esses grupos. Ambos fazem parte da equipe do Projeto Bem-Me-Quer, ONG que presta assistência a pessoas em situação de vulnerabilidade social e vivendo com HIV/Aids na região noroeste de São Paulo. “No trabalho que realizamos, percebemos que fatores de vulnerabilidade como pobreza, falta de moradia, ausência de saneamento básico, violências cotidianas, racismo, machismo e a falta de acesso à educação de qualidade dificultam o avanço no combate à epidemia, mesmo diante dos avanços tecnológicos”, declaram os entrevistados.
Estigma
Além da necessidade de ampliação do acesso a formas de prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento adequado, Segurado acredita que o combate à desinformação e à discriminação é essencial para maior efetividade das ações e da diminuição do número de infecções. A falta de educação sexual em muitos lares e escolas do país é um fator que contribui para o aumento de IST, especialmente entre jovens.
De acordo com o Boletim Epidemiológico, os casos de sífilis adquirida crescem pelo quarto ano consecutivo em São Paulo. No período de 2013 a 2023, o maior crescimento no número de casos foi nos jovens entre 20 e 29 anos, seguidos por aqueles entre 15 e 19 anos.
O preconceito também afeta a qualidade de vida dos já diagnosticados. Dados do Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/AIDS – Brasil revelam que 64,1% dos entrevistados sofreram alguma forma de discriminação pelo fato de viverem com HIV ou Aids. As situações citadas incluem assédio verbal, perda de fonte de renda ou emprego e até mesmo agressões físicas. Também foi registrado que quase metade (47,9%) das pessoas disseram ter sido diagnosticadas com algum problema de saúde mental nos 12 meses anteriores à realização da pesquisa.
Dever público
Garantir o sucesso das ações de prevenção e de controle das IST também envolve a promoção e o respeito aos direitos humanos e políticos das populações mais vulneráveis e distantes do poder público. “Quando falamos em luta contra a Aids, estamos falando da luta pela garantia de direitos: sociais, civis e reprodutivos, e ao direito de uma vida digna”, destacam os membros do Projeto Bem-Me-Quer.
Para além de campanhas sazonais, Alexandre e Dayana defendem que, pelo fato do poder público ter capacidade e capilaridade muito maiores do que pequenas ONGs e indivíduos, é necessário pressionar o governo pela implementação de políticas públicas eficazes para enfrentar essas epidemias. “É importante lembrar que ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado’ ”.
*Com edição de Sofia Zizza