Multiplicação dialógica: estudos de um psicólogo indígena da USP

Docente do IP amplia psicologia cultural para escutar os saberes diversos

Foto: Diego Coppio/JC

Por Gabriela Cecchin, Jean Silva e Luíse Homobono*

Danilo Silva Guimarães é um dos quatro professores indígenas da USP. De ancestralidade Tikmu’un Maxakali, ele é psicólogo e livre-docente no Instituto de Psicologia, onde atua na área de História e Filosofia da Psicologia. É na escuta das múltiplas formas de ser e existir no mundo que Danilo constrói seu campo de pesquisa.

No centro de seus estudos está um conceito que ele desenvolveu a partir de seu doutorado: a multiplicação dialógica. Essa concepção amplia o domínio da psicologia cultural, ramo do saber que estuda como os seres humanos internalizam a cultura. A proposta é um entendimento plural da experiência humana; as pessoas reconhecem suas diferenças e se esforçam para construírem um “lugar comum”.

“Os diálogos podem ser pensados no esforço mútuo da partilha do que é diverso, pois a diferença escapa do compartilhamento”, explica Danilo. Segundo ele, muitas culturas indígenas pensam a sociabilidade como algo que envolve todos os seres, não apenas os humanos. Isso confronta a forma de pensar ocidental, que separa natureza e cultura, corpo e mente, razão e emoção.

“Em vez de se restringir ao diálogo entre pessoas humanas, esse conceito incorpora os modos de vida e os saberes que incluem também relações com os seres da natureza.”

Ancestralidade e psicologia

O interesse por esses diálogos entre saberes indígenas e psicologia não é acadêmico por acaso. “Vem desde sempre, né? Porque eu sou indígena, minha ancestralidade é Tikmu’un Maxakali. As aldeias estão em pequenas áreas do estado de Minas Gerais. Contudo, o território tradicional e de circulação Maxakali é muito mais amplo, pelo menos desde o vale do Jequitinhonha até o Vale do Rio Doce, do litoral ao interior do Brasil.”

Como muitas outras famílias indígenas, a de Danilo também passou por um processo de dispersão forçada. “Buscamos sobrevivência de diversas formas. Então tem famílias indígenas de ancestralidade Maxakali espalhadas por todo o território, parte vinculada e outras desvinculadas à ancestralidade indígena.”

Essa experiência influencia sua atuação universitária. Na USP, Danilo criou a Rede de Atenção à Pessoa Indígena, iniciativa que começou a partir de escutas feitas nas aldeias paulistas. Esse esforço de escuta com as comunidades ajuda a reconhecer que há dimensões na reflexão indígena que estão para além daquilo que a psicologia reflete.

A proposta de Danilo não é trocar uma forma de saber por outra. Ao contrário: trata-se de criar um campo comum entre elas e, com isso, gerar novas possibilidades de compreensão.

Diálogo e cuidado

A multiplicação dialógica também desafia práticas profissionais. Quando aplicada ao atendimento psicológico, exige revisão de técnicas, escuta ampliada e respeito. “A divisão entre natureza e cultura é muito problemática para a psicologia, porque ela vai redundar, por exemplo, na divisão entre corpo e mente. O que a gente vai encontrar em outros povos que não são herdeiros da tradição ocidental são outras maneiras de recortar e construir o campo existencial.”

Daí nasceu a proposta de construir uma rede de apoio à pessoa indígena, sempre em coautoria com as comunidades. O objetivo: apoiar projetos, acolher demandas, construir parcerias. “Algumas lideranças manifestavam incômodo com um tipo de pesquisa que costumava ser feito nas aldeias, em que os pesquisadores iam, de certa maneira, tentando conhecer a comunidade, mas não havia uma devolutiva satisfatória. A comunidade se sentia um tanto abandonada depois que essas pesquisas eram finalizadas.”

Para Danilo, a universidade — embora ainda marcada por estruturas coloniais — também é um campo em disputa. “É muito difícil dizer se a academia está preparada ou não. Ela é muito diversa internamente também. Nós somos parte desse processo de construção do que é a universidade.”

*Com edição de Sophia Vieira