
Por Vanessa Martina-Silva, diretora de redação na revista Diálogos do Sul e analista política no Opera Mundi
Para que uma voz ecoe, às vezes é preciso que o ruído cesse. Ninguém espera que um jornalista conceda o direito de falar. “Dar voz” a movimentos sociais, pessoas com deficiência ou racializadas não é função jornalística. Mas escutar o que e quem historicamente foi desacreditado ou invisibilizado, sim.
Este Jornal do Campus se mostrou comprometido com a Universidade. Ancorou debates nacionais, como o aumento do preço dos alimentos, ao cotidiano da USP. Um ganho expressivo para a comunidade acadêmica, que se viu representada nas reportagens. Isso fortalece o jornal como espaço de reflexão crítica e prestação de serviço público. Fomos apresentadas a textos honestos, cuidadosos e comprometidos com quem lê.
Mas quero questionar a isonomia: por que temos pessoas entrevistadas sem sobrenome? Por que tanto espaço para as vozes institucionais? Cada escolha interfere na leitura e pode reforçar desigualdades narrativas.
Também é preciso jogar luz sobre o que foi dito. As reportagens sobre assédio na Universidade foram cuidadosas, atentas à gravidade do tema e corajosas ao evidenciar que as instituições geralmente preferem silenciar. Mas a coragem não dispensa rigor com a linguagem. É nosso dever compreender e respeitar o fato de que ninguém é culpado até que todos os recursos sejam esgotados. Dizer “suposto assédio”, “supostos agressores” e “supostas vítimas” não é cinismo — é responsabilidade jornalística. As palavras importam: para nós, para quem lê e para quem é lido.
Agora é preciso voltar às ausências, os vazios que também comunicam. Imagine uma distopia em que 56% da população brasileira desaparecesse. E com ela, todas as suas vozes, histórias, elaborações. Será que essa ausência seria sentida? O que posso afirmar é que este jornal seguiria praticamente intacto, sem comprometimento do seu conteúdo. Afinal, onde estão os negros neste periódico?
Dos 15 textos publicados, apenas um ouviu pessoas negras. Até onde pude comprovar, nenhum especialista negro foi consultado fora dessa matéria. Isso em um país onde 56% da população se identifica como negra. Na USP, somos 23% entre os graduandos, mas apenas 2,3% do corpo docente. E este jornal? Vai reproduzir ou tensionar essa lógica?
O que quero dizer é que: a seleção de fontes diversificadas requer esforço, dedicação e muita busca ativa. Especialistas negros dificilmente serão a primeira indicação das assessorias ou o contato mais fácil entre os colegas. Mas isso não significa falta de conteúdo. Escutar essas vozes é um ato político.
É difícil. Mas romper estruturas nunca foi fácil. Urge, portanto, dar o primeiro passo. Que tal começar por aqui? Entrevistem pessoas negras. Expandam o horizonte e procurem especialistas transexuais, com deficiência, neurodivergentes… Nós já fizemos isso uma vez quando lutamos por mais espaço para mulheres. Está na hora de fazer de novo. E que a esta edição que chega a você já traga essa mudança.