Ligada à USP, Fundação Pró-Sangue enfrenta a ausência da cultura de doação entre brasileiros

Por Alex Teruel, Amanda Nascimento e Gabriel Alegreti*
O sangue trava uma batalha incessante contra o tempo. Para aqueles que precisam de transfusões, como pacientes oncológicos ou vítimas de acidentes, o prazo é curto: em até cinco dias, as plaquetas doadas hoje já terão perdido a validade; em cerca de 40 dias, o mesmo acontecerá com as hemácias. Cada bolsa doada pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Mas, para além da questão científica, a urgência em doar sangue é também um desafio social. Enquanto a demanda se mantém constante, a oferta de doadores segue limitada. Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, apenas 16 a cada mil habitantes doam sangue regularmente – metade do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Como contraponto positivo, está a Fundação Pró-Sangue. Ligada à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e à USP – via cooperação técnico-científica –, a Fundação é o maior hemocentro da América Latina. São cerca de 12 mil bolsas de sangue coletadas por mês, mais de 5 mil delas no complexo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP). Segundo dados do Ministério da Saúde e da Pró-Sangue, em 2024 o volume doado equivale a aproximadamente 14% das doações do Estado de São Paulo e 3% do Brasil.
A instituição já realizou mais de 15 campanhas em parceria com a USP, direcionadas aos postos fixos da Fundação. Elas fazem parte do esforço-tarefa para aumentar o número de doações no estado de São Paulo. No começo de 2025, o estoque de O negativo (doador universal) estava zerado, o que levou a Pró-Sangue a emitir um alerta em busca de doadores. Na prática, a situação já pode ser considerada crítica quando o estoque está abaixo dos 50%.
Tila Facincani, médica hemoterapeuta na Fundação Pró-Sangue, relaciona os números à ausência da cultura de doação no país. “Temos sempre beirado um balanço negativo. Por quê? A pessoa tem que ser altruísta. Sabemos que se a pessoa tiver um benefício, por exemplo, se receber algum dinheiro, acabaria mentindo para doar”, lamenta a doutora em entrevista ao Jornal do Campus.
Há também as campanhas que trazem a doação para o campus. As chamadas coletas externas procuram ir a locais onde as pessoas têm dificuldade de se locomover até postos fixos. Embora representem um custo maior – por exigirem o deslocamento de profissionais, equipamentos e estrutura –, elas têm conquistado espaço na universidade. Em nota, a assessoria da Pró-Sangue informou que já foram realizadas mais de dez iniciativas em parceria com institutos como a Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design (FAU) e o Instituto de Geociências (IGc).
Etapas da doação
O caminho do sangue doado começa antes da coleta. O voluntário chega ao hemocentro com um documento de identificação com foto e passa por um processo de triagem. Nessa etapa, são feitos testes de anemia, verificação de sinais vitais e uma entrevista clínica que identifica possíveis riscos, como o uso de medicamentos ou doenças que possam comprometer a doação.
Tatuagens, gravidez e viagens para locais com endemias, por exemplo, são impedimentos temporários. Uso de drogas ilícitas injetáveis e doenças transmitidas pelo sangue – como HIV e hepatites B e C – são restrições definitivas. Só depois dessa checagem é que o sangue é coletado. A coleta dura cerca de dez minutos.
Após a doação, o sangue passa por um processo de fracionamento. “O nosso sangue tem várias coisas diferentes ‘rodando’ nele. Então, dividimos os componentes terapêuticos do sangue por centrifugação, um processo que separa os elementos por densidade”, explica Tila. Dessa divisão, surgem quatro componentes principais: concentrado de hemácias, utilizado em casos de anemia ou grandes perdas de sangue; plaquetas, fundamentais para conter sangramentos; plasma, indicado em distúrbios de coagulação; e crioprecipitado, aplicado em recém-nascidos com sangramentos graves.
“Todo dia a mesma demanda, mas poucos doadores“
Tila Facincani, Hemoterapeuta na Fundação Pró-Sangue
“Uma bolsa [de sangue] pode salvar até quatro vidas” é uma máxima popular da doação de sangue. Segundo Tila, é com essa multiplicidade dos componentes do sangue que diferentes vidas podem ser salvas. “Um bebezinho pode precisar do crioprecipitado; outro paciente, da plaqueta; um terceiro, das hemácias e, ainda um quarto, do plasma. Cada pessoa vai precisar de uma coisa diferente, dependendo do problema que está tendo”.
Doadores
No Hospital das Clínicas, a reportagem do JC acompanhou Lucas Neves, 24 anos, atendente de Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC). Ele já soma mais de 15 doações entre sangue e plaquetas. A rotina começou aos 18 anos, quando fez a primeira doação de sangue durante o serviço militar. Hoje, prefere doar plaquetas porque a frequência é maior: “faço uma semana sim, uma semana não, que é para conseguir completar todas as doações no calendário deles”.
A doação de plaquetas exige um procedimento mais complexo e caro, já que o kit de coleta tem custo elevado. Por isso, é direcionada a doadores de repetição, habituados ao processo. Mais simples, a doação de sangue pode ser feita até quatro vezes por ano, enquanto a de plaquetas chega a 24. Os números revelam a diferença: a Pró-Sangue recolhe, em média, 10 a 12 mil bolsas de sangue por mês, contra cerca de 400 bolsas de plaquetas no decorrer do mesmo período.
Outra doadora ouvida pelo JC foi Cátia Augusto, 58 anos, analista de sistemas. A primeira doação aconteceu em 2022. Desde então, já foram nove. Cátia conta que acreditava não poder doar por ter anticorpos de hepatite A, mas descobriu que era apta.
Hoje, ela se empenha em doar com regularidade, consciente do limite de idade de 69 anos. Para ela, o maior desafio é incentivar outras pessoas a aderirem. “Não sei se é falta de campanhas, não sei se é falta de incentivo. Às vezes, as pessoas só vão fazer doação quando tem um familiar, um amigo doente”.
*Editado por Júlia Sardinha
