Chegadas & partidas

A evasão estudantil configura um problema, sobretudo quando ocorre na maior universidade do País. Veja por que e conheça alguns desistentes

Passou em Letras na USP em 2005. No meio do ano, desistiu do curso para prestar Administração. Fez cursinho, mas não passou na FEA. Mais um ano de cursinho e, dessa vez, decidiu encarar Relações Internacionais na USP – sua primeira opção desde 2005, mas que não prestava devido à alta concorrência. No entanto, não entrou. Passou no mesmo curso na PUC (Pontifícia Universidade Católica), onde estuda. Hoje, já considera a possibilidade de prestar Física na USP.

Essa é a trajetória de Henrique Abe, que não é muito diferente de outros estudantes de universidades públicas e privadas que largam um curso no meio. Em 2004, por exemplo, o Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação (Naeg) da USP divulgou que 22% dos alunos que entraram na Universidade em 1998 desistiram de seus cursos.

Essa desistência (ou evasão) é considerada um grande problema no ensino superior brasileiro. “A desistência universitária está em um grau que preocupa, além de ser um desperdício de potencial para a própria universidade”, diz a psicóloga Yvette Lehman, do Núcleo de Orientação Profissional (NOP) da USP.

Já houve tentativas da Universidade de organizar informações sobre a evasão para possibilitar maior controle. Os dados, porém, não eram atualizados com freqüência. Para evitar isso, neste mês será inaugurado o Portal da Evasão, que vai contabilizar dados de toda a USP a respeito do assunto. No momento, o projeto está em fase de testes – as unidades estão conferindo seus próprios dados.

Para que se quantifique a evasão dos estudantes da graduação, foi preciso padronizar o significado do conceito. Segundo Sérgio Orsini, Diretor do Serviço de Apoio Técnico à Graduação, para a USP, é considerado evasão apenas o caso em que o aluno sai efetivamente da Universidade, seja por decisão dele mesmo ou por jubilamento (cancelamento administrativo). Quando o estudante faz transferência para outro curso, da mesma unidade ou não, ocorre o que chamam de ‘migração’. No ponto de vista das unidades, no entanto, transferências para outros institutos também são entendidas como evasão.

Salas de aula no IME (fotos: Rafael Benaque; Anne Mascarenhas)
Salas de aula no IME (fotos: Rafael Benaque; Anne Mascarenhas)
Motivos

Os motivos da evasão (e da crise do aluno com o curso) são diferentes, dependendo do semestre em ele está matriculado. De acordo com Yvette, em torno de 40% das desistências e conflitos que ocorrem no primeiro ano de graduação acontecem devido a uma má escolha da carreira. “Isso se deve a um processo de conscientização que o estudante deveria ter feito anteriormente, mas adiou, achando que ter uma vaga é suficiente”.

Deborah Raphael, vice-coordenadora do Bacharelado em Matemática do IME, onde a evasão é grande, diz que muitos estudantes entram no curso sem saber direito o que esperam dele. O maior número de desistências, conseqüentemente, acontece no início do curso, diz.

A dificuldade com as disciplinas é outro fator que desmotiva os alunos a continuarem no curso, afirma Deborah. Por outro lado, ela aponta que os alunos de transferência, tanto interna quanto externa, já estão mais maduros e “sabem o que querem”.

As desistências no meio do curso são causadas por motivos diversos. De acordo com Yvette, a maior razão da desistência nesse período está relacionado à entrada na grade curricular dos aspectos práticos da profissão. É aí que os alunos passam a ter uma dimensão maior do fazer profissional da carreira e, muitas vezes, se decepcionam. Já os problemas que acometem os universitários que desistem no último ano, para a psicóloga, geralmente não estão ligados ao curso em si, mas à perspectiva de mercado de trabalho. O fato de o diploma não ser uma garantia de inserção no mercado angustia o estudante, afirma.

Muitas vezes, o aluno troca de curso fazendo escolhas ‘inconscientes’, sem identificar o motivo de sua insatisfação, observa Yvette. Ela conta que um acompanhamento psicológico pode auxiliaros alunos a se conscientizar sobre as razões de sua insatisfação. Dos alunos da USP que procuraram o atendimento do Núcleo de Orientação Profissional, 70% resolveram terminar o curso, fazendo adaptações de acordo com suas necessidades e objetivos.

Depois de cursar por três anos Engenharia da Computação na Unicamp, Lucas Pereira Porto ingressou em Ciência da Computação no IME em 2006. Hoje já pretende prestar vestibular novamente, agora para Economia. “Vou fazer um curso que cubra parte da minha curiosidade e que é menos puxado que a computação. Talvez assim sobre um tempo pra ir atrás de outras coisas complementares”, conta o estudante, que desistiu de achar o curso ‘ideal’.

O estudante Lucas Pereira Porto: de Curitiba à Unicamp, da Unicamp ao IME, do IME rumo à FEA (foto: Roberta Figueira)
O estudante Lucas Pereira Porto: de Curitiba à Unicamp, da Unicamp ao IME, do IME rumo à FEA (foto: Roberta Figueira)

As dificuldades financeiras para se manter na faculdade também são um problema. Marina de Oliveira, aluna de Meteorologia no IAG, considera o curso difícil e a carga horária pesada, de forma que não consegue trabalhar. “Sem ajuda dos pais, é impossível se manter aqui”, diz. Por isso, vai pedir transferência para o curso Matemática, no IME, que ainda não é o que gostaria de fazer. Só não cursa Estatística, sua primeira opção, porque, assim como Meteorologia, é um curso integral.

Públicas e privadas

Os semestre em que mais acontece a evasão variam nas universidades particulares e públicas. Nas particulares, explica Yvette, a desistência acontece mais no primeiro ano, sendo difícil ocorrer a evasão nos últimos períodos. Já na USP, por exemplo, o abandono é observado em todos os anos e geralmente no terceiro semestre. Isso acontece porque o uspiano ‘dá uma chance’ ao curso, já que e não tem uma ‘pressão’ no final do mês com mensalidade a pagar.