Debate: reforma do estatuto da USP gera discussão

A reforma do Estatuto da USP é uma reinvindicação de alunos, professores e funcionários. Foram feitas algumas tentativas de encaminhar propostas de reforma por parte da comunidade universitária, mas sem resultados. Assim, o Conselho Universitário criou no início de 2008 a Comissão de Reforma do Estatuto e encaminha internamente essa pauta. A comunidade debate o modo pelo qual a reforma está ocorrendo.

Lições de Republicanismo

Por Ester Rizzi

A reforma do Estatuto da USP, anunciada no ano passado e motivadora da tentativa de organização do V Congresso da USP, vem sendo realizada na surdina, no interior do Conselho Universitário (Co). Em vez de uma discussão completa sobre o Estatuto, capaz de provocar a reflexão sobre quais objetivos a Universidade quer alcançar e qual a melhor forma de organização para tanto, a reforma vem sendo realizada de forma fatiada. Três temas foram selecionados (por quem?), sendo eles: Descentralização Administrativa, Carreira Docente e Estrutura de Poder.  As modificações vêm sendo propostas por uma Comissão do Co, responsável pela formulação da reforma.

A descentralização administrativa e a mudança na carreira docente já foram aprovadas, mas mais grave do que o conteúdo das mudanças, é a forma como elas vêm sendo realizadas.

As três últimas reuniões do Conselho Universitário – em 16/12/08, 10/02/09 e 4/03/09 – ocorreram não na Sala do Co, mas em um auditório do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), longe de qualquer possibilidade de controle público ou manifestação política. A falta de transparência não termina aí: nenhuma ata é disponibilizada para o público, a não ser mediante senha, e não há mecanismos alternativos de publicidade do que ocorre nas reuniões. O Conselho mereceria por si só um texto-crítico sobre seus problemas: irregularidades nas convocações dos Representantes Discentes (RDs) para as reuniões; antecedência ínfima no envio das pautas – o que inviabiliza a representação; inversões na ordem dos inscritos; votações sem possibilidade de controle sobre sua regularidade; desrespeito às falas dos Conselheiros não-professores, entre outras práticas faz com que questionemos o próprio Conselho enquanto órgão deliberativo legítimo.

A reforma do estatuto vem sendo realizada no Co que, além de seus problemas procedimentais e de publicidade, tem ínfima participação de estudantes e funcionários. A aparência de democracia nas mudanças, porém, tenta ser preservada: (i) reuniões nos diversos campi para discutir as mudanças, mas sem documento-base e cujas propostas nunca foram sistematizadas ou consideradas na Comissão de Reforma do Estatuto (CRE); (ii) possibilidade de apresentação de destaques aos pontos da reforma para os membros do Co e congregações, mas propostas analisadas em um subgrupo da CRE, entregues aos RDs da mesma comissão no próprio dia da reunião e não incluídas no caderno de pauta do Co, impedindo que fossem discutidas seriamente a não ser por três (ou menos?) professores que as sistematizaram e decidiram se seriam acatadas ou não; (iii) convocação e distribuição de documentos antes da reunião da CRE para seus membros, inclusive RDs, mas com apenas 2 (dois) dias de antecedência, impedindo qualquer análise ou discussão com os grupos representados.

Decidida efetivamente em uma subcomissão da CRE, que é parte do Co, ou seja, um grupo restritíssimo, a reforma do Estatuto vem sendo realizada com vícios e entraves capazes de impedir e inviabilizar qualquer participação democrática mais ampla. Aparentemente algumas lições de republicanismo – tão debatidas em suas salas de aula – ainda precisam ser aprendidas e aplicadas pela USP.

Ester Rizzi é mestranda na FDUSP, coordenadora da APG-USP/Capital, RD da pós-graduação no Conselho Universitário e na Comissão de Reforma do Estatuto.


A reforma do Estatuto da USP

Por Luiz Roberto Britto

O Conselho Universitário aprovou recentemente uma mudança estatutária em relação à carreira docente, que prevê novos níveis para as várias categorias. A mudança reveste-se de muita importância, por várias razões: (1) A progressão pelos níveis será baseada em análise de mérito acadêmico, a ser discutida e definida em regulamentação própria; (2) As mudanças aprovadas representam um componente relevante na democratização da estrutura de poder da Universidade, com os professores associados dos níveis mais altos sendo a partir de agora candidatos natos à chefia de departamento e à direção de unidade; (3) A progressão horizontal será acompanhada de aumentos salariais, que serão assim dependentes do mérito acadêmico; (4) O tema foi extensamente debatido com a comunidade, em duas consultas às unidades, várias audiências públicas nos diferentes campi e duas reuniões do Conselho Universitário, envolvendo dessa forma número expressivo de docentes, servidores técnico-administrativos e estudantes; (5) Na direção contrária de uma crítica frequente ao Conselho Universitário, essa decisão beneficiou uma grande parcela do corpo docente da USP que não tem assento no colegiado maior da Universidade, já que o maior contingente de professores naquele conselho é de professores titulares, não atingidos pelos benefícios das mudanças na carreira.

Além do impacto na carreira docente, o Estatuto da USP inclui agora a obrigatoriedade da existência de uma carreira para os servidores técnico-administrativos, o que até o momento era um tema apenas tratado pelos servidores e pelos gestores em um nível de diálogo, demanda e negociação, sem que houvesse qualquer menção à carreira nas leis maiores da Universidade. Essa é certamente uma mudança importante na direção da valorização dos servidores técnico-administrativos.

A reforma do Estatuto da USP vem sendo conduzida por uma Comissão Especial, que adotou a postura de consultar todas as unidades sobre os temas em pauta, organizar as sugestões recebidas e discutir os temas em reuniões plenárias e nas audiências públicas, antes de produzir uma proposta para nova consulta às unidades e finalmente encaminhá-la ao Conselho Universitário. A Comissão Especial inclui docentes, servidores (que até o momento não participaram dos trabalhos) e estudantes e, com a dinâmica que adotou, envolve a comunidade de modo significativo na discussão da reforma do Estatuto onde essa discussão é necessária e fundamental, ou seja as unidades, nos vários campi da USP. Será que precisamos de uma Estatuinte para esse trabalho, com representantes nem sempre escolhidos por sua visão institucional? Será que não podemos mudar a nossa cultura de só discutir esses temas com conotação política e passar a discuti-los também com espírito acadêmico nos departamentos, nas unidades, nos fóruns, nas assembléias e no próprio Conselho Universitário? A comunidade por certo estará mais amplamente representada nessas instâncias.

Luiz Roberto G. Britto é Diretor do Instituto de Ciências Biomédicas/USP e membro daComissão de Reforma do Estatuto da USP