Intercâmbio cultural com a França não é novidade

A relação entre franceses e brasileiros, como é comum a todos os povos, é permeada por estereótipos de toda sorte. Gastronomia fina, perfumaria e sofisticação são sinônimos de França, ao passo que natureza farta, brutalidade social e abundância sexual, de Brasil.

Para o professor de Literatura Brasileira da USP Antônio Dimas, um frequentador assíduo da França, foi-se o tempo em que o brasileiro era visto como o “bom selvagem”. No entanto, persiste a ideia de que “não existe pecado do lado de baixo do Equador”.

Dimas afirma que o europeu, de modo geral, “sente uma enorme curiosidade natural e social (pelo Brasil), assim como a veleidade de transformá-lo”. Ressalta também que existe uma “francofilia” nas camadas mais cultas de nosso país, em parte herdada dos portugueses. Eça de Queiroz “é um grande exemplo do embasbacamento português diante da França” (vide o personagem Jacinto de Tormes em A Cidade e as Serras).

Essa influência se consolidou através das várias missões francesas que vieram ao país. A formação da USP, inclusive, contou com nomes que hoje são pilares das ci~encias humanas. Aportaram em São Paulo na década de 30 nomes como Levi-Strauss, Fernand Braudel, Pierre Monbeig e Jean Maugüé. Para Dimas, essa trupe de franceses “implantou um padrão invejável de pesquisa nas humanidades”.

Missão de professores franceses reúne-se em 1934 durante a fundação da USP
Missão de professores franceses reúne-se em 1934 durante a fundação da USP

O mesmo pode ser constatado em entrevista de Levi-Strauss à Folha de S. Paulo em janeiro de 2004. O antropólogo lembra que, à época, ele e seus colegas eram professores do ensino médio na França, sem notoriedade acadêmica alguma. “Penso que a única coisa que nós levamos para eles foi um método de trabalho”, diz. “Eles pesquisavam a torto e a direito, era qualquer coisa”.

As humanidades “ainda gozam de uma proximidade muito grande junto à França”, conta Dimas. O pensamento francês será contestado a partir dos anos 20, mas não o suficiente para acabar com sua influência. O Cinema Novo carrega elementos da Nouvelle Vague; a literatura nacional remete a questões propostas por Victor Hugo, Honoré de Balzac e Émile Zola; e nossa política se rendeu, por anos, ao positivismo de Auguste Comte. Mesmo durante a ditadura militar, onde se refugiava a maioria dos perseguidos brasileiros? Na França, atraídos pela liberdade intelectual e a política de contestação.

Em suas frequentes viagens à França, Dimas percebeu que certos estereótipos estão desaparecendo. No meio acadêmico é raro encontrá-los. Como o professor não é mais um “marinheiro de primeira viagem” no país, seus interesses, a princípio pautados pela política, são agora antropológicos. Ele conta que adora “sentar num restaurante comum dos bairros e ficar ouvindo as conversas das outras mesas”. “Como é falta de educação, eu disfarço”, brinca.

Suas “bisbilhotices sociais” perambulam pelos metrôs de Paris, suas ruas e o comportamento das pessoas: como se portam, falam, lidam com as crianças. “Aprendi a nunca disputar o espaço na rua e nos ônibus com as velhinhas”, lembra. Na França, os idosos exigem o respeito e são capazes de brigar por ele. Mas o que mais chama a atenção de Dimas é a existência “de uma noção muito forte de urbanidade e civilidade, mesmo que haja uma aparente indiferença”.