Como o Estatuto da USP deve mudar?

O reitor João Grandino Rodas convocou uma reunião do Conselho Universitário (Co.) extraordinária e não-deliberativa para discutir mudanças no atual Estatuto da USP, reformulado pela última vez em 1988, mas que ainda mantém artigos de 1972. Conheça as diferentes opiniões sobre o que deveria ser mudado.
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O Estatuto deve incluir o direito de ir e vir e de paralisação dos alunos – entrevista com Lincoln Secco
O Estatuto precisa ser atualizado, mas não estamos em crise – entrevista com Luiz Nunes de Oliveira


O Estatuto deve incluir o direito de ir e vir e de paralisação dos alunos

Lincoln Secco é professor livre-docente de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP.

Jornal do Campus: Por que foi necessário mudar o Estatuto da USP em 88? Como se deu esse processo ?
Lincoln Secco: Nos anos 80 toda a sociedade brasileira viveu uma Revolução Democrática e a USP não podia ficar de fora. Tínhamos como reitor José Goldenberg, que era criticado e com razão, mas tinha uma autoridade científica e política muito grande. Por outro lado, as entidades de funcionários, estudantes e professores eram muito mais representativas. Todavia, as principais reivindicações da comunidade organizada nunca foram atendidas. Basta consultar as resoluções do III Congresso da USP de 1987.

JC: Por que mesmo com as mudanças em 1988 alguns artigos feitos na época da ditadura permaneceram? Eles são necessários?
LS: Nunca foram. Eles afrontam a Constituição Federal e refletem o espírito de uma época que já deveria ter sido superada. Se eles permanecem é porque há um descompasso entre o processo de democratização da Sociedade Civil e da USP, que não deveria ter um regimento disciplinar com cacos do velho entulho autoritário. Aliás, não precisa de regimento disciplinar. Há uma série de normas, muitas federais, que já dão conta das relações entre professores e alunos. Os desvios, um ato violento arbitrário, a malversação de recursos, a corrupção e outras faltas graves já são passíveis de punição externa.

JC: Como o senhor avalia o atual Estatuto da USP?
LS: Um estatuto que não emana dos que têm menos poder na instituição não é democrático. Mas pode ser reformado de forma democrática.

JC: Em que pontos são necessárias reformas? Como elas devem ser efetuadas?
LS: As reformas devem partir da própria comunidade. O clima de tensão, perseguição e a ocupação policial do campus mostram que muita coisa precisa mudar. Um novo Estatuto precisa incluir o direito de paralisação de alunos, o direito de ir e vir sem o impedimento de catracas, a consulta à comunidade sobre decisões que interferem no meio ambiente, como a construção de prédios cuja localização e finalidade são, em última instância, produto da vontade de uma só pessoa. Um orçamento participativo aberto a todos os interessados e aprovado por referendo nas unidades seria um bom começo.

JC: Que interesses estão em jogo na criação de uma estatuinte?
LS: Uma estatuinte que venha finalmente a mudar a estrutura de poder causaria um curto circuito muito maior hoje do que nos anos 80. A falta de transparência seria questionada. Eu não acredito que haja resistência meramente ideológica à mudança. Mas hoje os conselhos departamentais, por exemplo, perderam a razão de ser. Elas não têm poder e quase não têm recursos. Por que não criar outra ou ao menos baseá-las em plenárias com livre participação de todos, como já ocorre em algumas unidades da USP?

JC: Como o senhor avalia o processo de escolha do reitor?
LS: A eleição numa instituição universitária é algo muito complexo. Alguns falam em eleições paritárias, outros em sufrágio universal. Se eu fosse o atual reitor, defenderia o sufrágio universal. Até porque ele teria chances de vitória. A votação direta seria muito melhor ou até mesmo a simples ampliação do colégio eleitoral. Mas eu não vejo na eleição para Reitor o principal problema e sim o fato de ele representar uma função que, na prática, concentra poderes em demasia e não se submete a nenhuma instância democrática. Talvez seja muito mais importante aprovar um orçamento realmente participativo na USP do que aumentar um pouco o quadro de eleitores.

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O Estatuto precisa ser atualizado, mas não estamos em crise

Luiz Nunes de Oliveira é representante dos Titulares no Co.

Jornal do Campus: O que o senhor acha da atual Estatuto da universidade? Ele é democrático?
Luiz Nunes de Oliveira: Estruturalmente, o Estatuto é muito bem construído, mas o seu conteúdo precisa ser atualizado. Não significa isso que estejamos em crise. As instituições evoluem, os valores mudam, e os contratos sociais precisam ser alterados para facilitar a transição de uma época para outra. Além disso, a raiz de nossos problemas não está no Estatuto. Rotulá-lo de “democrático” ou “não-democrático” é atirar em alvo errado. A questão importante é se dispomos de mecanismos para tomar decisões sem ignorar a opinião de quem é afetado e estamos dispostos a adotá-los. Sem tais mecanismos, qualquer discussão sobre aspectos importantes do Estatuto passará a ser improdutiva. Sem esses mecanismos, insisto, “democracia” é uma palavra vazia.

JC: Em que pontos o senhor acha que são necessárias reformas?
LNO: Vários artigos do Estatuto pedem discussão. A estrutura departamental precisa ser modernizada. O sistema de escolha do Reitor e Vice-Reitor, Diretores e Chefes de Departamento e a composição dos colegiados são outros exemplos. Precisamos de planejamento estratégico, mas os dispositivos do Estatuto que tratam desse tema têm tido pouco efeito. A lista é grande, mas há uma questão acima de todas as outras: o próprio Estatuto precisa institucionalizar o debate de temas importantes para a Universidade. Como mudar é a questão do momento, porque será necessário alterar o sistema decisório. O Co. terá agora oportunidade de testar um procedimento derivado de uma proposta do Prof. Renato Ribeiro para alterar o sistema de escolha do Reitor e do Vice-Reitor: o procedimento de decisões sucessivas (saiba mais), que poderá ser empregado sempre que o Co. tiver de tomar decisões capitais. Mas isso não é tudo. Quando se tem de tomar uma decisão que estabelece diretrizes, o mais importante é ouvir e pesar os argumentos das partes interessadas e responder a eles, para que o processo sucessório seja respeitado pela comunidade.

JC: A melhor solução seria a criação de uma estatuinte ou um conjunto de reformas no atual Estatuto?
LNO: A melhor solução seria escolher uma comissão de acadêmicos experientes e representantes dos estudantes e dos funcionários, sem membros do C.O., encarregada de examinar o Estatuto, escolher temas importantes, realizar debates e por fim propor uma ordem de decisões sucessivas para o Co. votar. Já testamos em parte esse sistema em 2003/2004, no Grupo de Trabalho sobre o tema Fundações, cuja recomendação nunca foi votada.

JC: Uma das atuais propostas de reforma diz que as eleição para reitor seriam em um único turno, feito pela assembleia universitária, com chapas. Isso fortaleceria os colegiados das unidades?
LNO: Fortaleceria os colegiados e o sistema eleitoral. Além disso, como bem observou o Prof. Renato, fortaleceria o próprio Reitor eleito. O sistema admite variantes e aperfeiçoamentos (por exemplo, acho muito importante que se constitua uma Comissão Eleitoral com amplos poderes), mas é um passo na direção certa.

JC: O senhor concorda com a proposta de as eleições das entidades passarem a ser feitas pelo Co.?
LNO: A proposta apresentada no última reunião do Co. foi de a Secretaria Geral (e não o Co.) cuidar das eleições dos representantes (e não das entidades). Este é um bom exemplo de como o método decisório que defendo poderia resolver um problema. Muita gente se preocupa com essa questão porque há estudantes que se queixam de que os representantes da situação abusam de seu poder. Seria ótimo se uma comissão estudasse o problema, promovesse debates e levasse o tema para decisões sucessivas no Co. Todos sairiam ganhando.

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