“Operação Espantalho” ocupa Largo do Direito

Estudantes do Largo São Francisco e representantes de movimentos sociais fazem ato contra a retirada dos sem-teto e a violência com que eles são tratados

“Por favor, levanta aí, tem que levantar logo.” Segundo Diego Costa* (nome fictício), morador do Largo do São Francisco há 2 meses, foi assim que muitos deles foram acordados na manhã do domingo de 9 de setembro. A ação faz parte da, assim apelidada, “Operação Espantalho”, que consistiu na retirada dos sem-teto da área em frente à Faculdade de Direito (FD) da USP, realizada pela Guarda Civil Metropolitana.
“Essa ação foi o auge”, conta a aluna Renata Laurindo, que em seus 7 anos na FD nunca tinha visto uma ação tão duradoura: “geralmente a GCM vinha, mas ia embora”. Agora, a guarda tem permanecido com carros, cones e fitas, barrando a permanência dos moradores no Largo.

Manifestantes ocuparam áreas isoladas por policiais (Foto: Renata Garcia)

De acordo com nota emitida por sua assessoria de imprensa, a GCM foi “à região do Largo São Francisco no domingo (09/09) atender reclamação de pichação do patrimônio histórico tombado no Largo São Francisco. Foram realizados serviços de manutenção do espaço público e zeladoria”.
“Há muitos depoimento de violência no dia 9, até de ameaça à mulher com criança”, conta Renata. Em sua nota, porém, a GCM declara “que em nenhum momento foi utilizado gás de pimenta por parte da GCM e não houve qualquer ato de violência contra as pessoas em situação de rua.” Já Renata explica que abordagem mais extremas acontecem quando “algum morador se levanta mais e, então, [guardas] levam para a delegacia sob justificativa de desacato à autoridade.”
Aconteceu uma vigília em defesa dos moradores de rua na noite do dia 17 de setembro no próprio Largo. Organizado por entidades estudantis ligadas à FD, como a Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama e o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU), juntamente com outros movimentos sociais, o protesto, sob o nome “Segurança Sim, Violência Não”, reuniu aproximadamente cem pessoas.

Histórico

Um ofício foi protocolado para o diretor, Antonio Gomes Magalhães, pedindo algum esclarecimento, segundo Renata, no entanto, “a diretoria aponta que não teve nada a ver com isso.”

A situação é, contudo, bastante conflituosa e controversa. Desde as ações na Cracolândia no início de 2012, têm aumentado os relatos de estudantes que tenham sido assaltados na região do Largo do São Francisco. Em vista disso, no último mês, os alunos criaram uma petição pública requerendo ao diretor da faculdade que enviasse um Ofício à Secretaria de Segurança Pública. Nele, segundo a petição, deveria constar a solicitação de uma base comunitária móvel da Polícia Militar, em frente à faculdade das 17h às 0h, e policiamento ao longo do trajeto dos alunos até o metrô, ao que Amanda Paulista, aluna do 4º ano da instituição, chamou de um “corredor de acesso à Universidade.”
O posicionamento em relação aos acontecimentos é heterogêneo na FD. Enquanto alguns estudantes protestavam pacificamente no lado de fora da faculdade, outros conversavam ou mantinham suas atividades cotidianas no interior do prédio. Segundo Amanda, isso acontece porque “é um debate que ainda está sendo trazido. Não é algo automático”.
Muitos dos alunos, por questão de segurança, optam por entrar na faculdade através da rua Riachuelo, sem passar pelo Largo. “Fiquei sabendo bem por cima, só vi hoje que os guardas estavam onde antes estavam os moradores. A GCM costuma fazer algumas ações, mas não vi que que tinha chegado a esse ponto”, afirma Luis Gustavo, aluno do 2º ano. Ele faz críticas às assembleias e demais mobilizações estudantis sobre o assunto. “Vai se discutir já para aprovar e não para promover, de fato, um debate. Uma pessoa com opinião contrária já é taxada” diz ele.

Há solução?

Segundo a nota da assessoria, “os guardas ofereceram abrigo às pessoas em situação de rua, que estavam na região”. Entretanto, a questão não é tão simples, Renata acredita que falte uma política integrada por parte do governo em relação à moradia, atualmente haveria apenas um gerenciamento disso. “Há pessoas que fizeram cadastro na Cohab há mais de 10 anos, assistência que não consegue relacionar problemas de trabalho, de saúde, não há articulação”.
O morador Diego Costa, por exemplo, conta que já são frequentes os furtos nos albergues, “fui roubado lá dentro, pelos próprios funcionários. Morar na rua é ruim? É, mas é melhor que morar em coisa de governo que não ajuda.”

Entre os grupos que participaram da vígilia, estavam os franciscanos da Igreja Católica. “Damos uma ajuda imediata com roupa e alimento, porém nosso principal objetivo é a ressocialização”, conta o Irmão Querubim. De acordo com ele, a maior dificuldade enfrentada pelos moradores, dentre muitas, é a visão marginalizada: “pessoas se acostumaram, é difícil tirar essa mentalidade. Na rua rola muito dinheiro, é algo sedutor, mesmo que isso signifique apanhar”.