A USP deveria oferecer cursos abertos online?

Seguindo tendências internacionais, a Universidade começa a apoiar a criação de Moocs, plataforma que permite assistir gratuitamente aulas de instituições do mundo inteiro. A iniciativa, fruto de parceria com o portal Veduca, é a primeira da América Latina no formato

Desde o dia 12 de junho, dois cursos da USP estão sendo oferecidos na inovadora plataforma Mooc: física básica e probabilidade e estatística. O termo Mooc (Massive Open Online Course) nasceu em 2008, cunhado pelo professor canadense David Cormier. Na ocasião, o docente abriu seu curso sobre a teoria do conectivismo a quem quisesse assisti-lo, gratuitamente, online. Diferentemente de projetos anteriores, que disponibilizavam apenas as aulas em formato de vídeo, a iniciativa de Cormier colocou à disposição dos alunos materiais que complementavam a experiência, como a possibilidade de trocar e debater com outros estudantes .

Apesar disso, foi só em 2012 que os Moocs estouraram e passaram a ser oferecidos por diversas instituições. De acordo com dados do Udacity, portal pioneiro do ramo, o primeiro curso a ser oferecido pela Universidade de Stanford no novo formato, “Introdução à inteligência artificial”, recebeu mais de 160 mil alunos do mundo inteiro.

Constituindo uma plataforma de ensino online, os Moocs possibilitam que um grande número de pessoas curse matérias sobre tópicos variados e de maneira inovadora. Além da tradicional combinação entre vídeo-aula e apostila, método amplamente utilizado em cursos a distância, a iniciativa se propõe a recriar virtualmente o ambiente de ensino universitário e desenvolver redes interativas de aprendizado entre os alunos, por meio de redes sociais e grupos de discussão e estudo.

Outro fator que diferencia os novos cursos online é a sua constante revisão e atualização com base no desenvolvimento apresentado por alunos de cada curso. “A plataforma é uma big data de educação. O grande número de participantes é justamente o que permite identificar os problemas de ensino”, afirma Eduardo Senzi, professor da Poli e sócio do Veduca, primeiro portal da América Latina a oferecer cursos no formato. O professor elogia as iniciativas da USP com a criação de e-aulas, mas faz ressalvas. “Filmar é a parte fácil, o verdadeiro desafio é deixar o curso mais atrativo para os alunos”, disse.

Para Senzi, os Moocs possibilitam uma maior flexibilidade para que o aluno monte sua própria grade curricular. “No futuro, pode permitir que o aluno não estude apenas na sua universidade de origem. Se é possível acessar matérias de Harvard, da FGV e da USP, por que limitar a formação a uma só instituição? Se o ótimo está disponível para todos, por que nos contentarmos com o razoável?”, comenta.

O professor aponta ainda a inconstitucionalidade da discriminação entre cursos presenciais e feitos a distância, e declara: “Iremos provar que um aluno que cursa os créditos via Moocs tem o mesmo conhecimento daquele que fez um curso presencial. Garantimos a qualidade e o padrão da USP no ensino”.

Muitas das críticas aos Moocs são feitas também aos cursos a distância, apesar das diferenças entre os dois métodos. “O curso a distância não oferece a mesma vivência ao aluno”, declara a professora Lighia Horodynski-Matsushigue, do Instituto de Fisica. “Sou totalmente contrária, sobretudo para professores”. “Realmente, o contato pessoal é o ponto fraco do projeto”, concorda Vanderlei Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) e autor do curso de física oferecido no Veduca.

Apesar disso, o educador destaca que a nova plataforma é uma alternativa necessária. “Ou multiplicamos o número de vagas oferecidas na Universidade, ou disponibilizamos as aulas a todos. É uma escolha difícil, mas temos que fazê-la”.

De acordo com Senzi, uma rigorosa curadoria dos cursos oferecidos é necessária para manter a qualidade do ensino e “evitar que pessoas mal-intencionadas aproveitem para se promover. “As provas são presenciais, e agora estão sendo abertos centros de aplicação de prova, como o que acontece com alguns certificados de língua estrangeira. Você não precisa ir até a Califórnia para retirar seu certificado de Stanford, você pode fazer a prova aqui, onde serão tomados todos os cuidados para que não haja cola ou trapaças”.

Segundo Senzi, as provas dos cursos USP oferecidos via Mooc deverão ser aplicadas entre outubro e novembro, na Poli. A cobrança, de acordo com ele, será alta, já que é preciso garantir a estrutura adequada do exame, esperado para reunir quatro mil alunos.

Muitos dos estudantes não chegam a prestar a prova, no entanto. Diversos estudos internacionais apontam a enorme taxa de evasão dos cursos online como um dos maiores desafios a serem vencidos. De acordo com o New York Times, a evasão chega a 90%. O curso “Ciência da Computação I”, da Universidade de Harvard, por exemplo, teve mais de 150.000 matriculados, dos quais apenas 1388 se formaram; na Universidade de Duke, menos de 2% dos 180.000 inscritos completaram o curso de lógica e argumentação oferecido entre 2011 e 2012. A maioria afirma não ter motivação para completar o estudo por conta própria.

Por ainda estar em sua fase inicial, o projeto no Brasil ainda tem dados oficiais sobre a taxa de desistência. Senzi, no entanto, ressalta a diferença dos cursos no Veduca em relação a outras plataformas de Moocs, e sugere que a flexibilidade é justamente o maior atrativo do programa: “Em muitas plataformas você se inscreve para um curso e só começa a estudar depois de seis meses, um ano. Até lá sua rotina pode ter mudado, você pode ter perdido interesse. Por se tratar de um programa gratuito, não existe nenhum prejuízo em não começar a atividade”, explica. “Pensando nisso, nossos cursos podem ser começados em qualquer momento do ano e o aluno que dita o ritmo do aprendizado. Dessa forma, é possível reduzir a evasão inicial”.

Com dez anos de experiência elaborando vídeoaulas, Bagnato conta que seu curso de física no Veduca já possui mais 3.500 alunos. Segundo o professor, as lições são para todos, mas podem ser ainda mais importantes como reforço para alunos do ensino médio. “Muita gente na USP reclama de como os alunos chegam à Universidade, mas ninguém faz nada para mudar esse quadro”, argumenta. “O propósito é incluir mais pessoas na educação superior”, completa o professor Senzi.

Para os três professores, os novos cursos não acabarão com as aulas presenciais, ainda que, para Senzi, o aumento no número de vagas online poderá mudar a função da prova, alocando os donos das melhoras notas às melhores universidades, mas possibilitando o ensino superior a todos. “Nosso desafio é educar mais sem gastar mais”, completa Bagnato.