Nova chefe de segurança da USP promete mais diálogo com a comunidade

Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer é antropóloga da FFLCH e substitui o antigo coronel Luiz de Castro Júnior, da gestão Rodas

Trocar um ex-coronel por uma professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) é de certo uma mudança radical. A escolha de Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer para a chefia da segurança da USP, feita pelo novo reitor, Marco Antônio Zago, surpreendeu até mesmo a escolhida. “Fui pega realmente de surpresa pelo convite”, revela a professora e chefe do departamento de Antropologia da FFLCH. Pastore afirma não ter “uma solução mágica” para os problemas de segurança dos campi, mas promete revitalizar a organização da superintendência, descentralizando as decisões e envolvendo a comunidade USP no debate.

Ana Lúcia Pastore propões diálogo com a comunidade USP para resolver problemas de segurança da Universidade (Foto: Valdir Ribeiro Jr.)

“Apesar de trabalhar no Núcleo de Estudos da Violência há mais de 20 anos, eu não imaginava que o reitor me convidaria para essa função”, revela a professora. Pastore explica que a ideia agora é criar um grupo de trabalho que, de forma interdisciplinar, possa pensar questões como medo, insegurança, convivência e utilização do espaço público. “Por estar nas mãos de quatro coronéis, o superintendente Coronel Castro e seus três assessores, a questão da segurança ficava muito ligada à vigilância, ao controle, e não necessariamente ao diálogo”, critica.

No momento, a superintendência está trabalhando na criação de um grupo de trabalho que deve, futuramente, constituir um Conselho Deliberativo da Superintendência, presidido pela atual chefe da segurança. Segundo Pastore, é fundamental que o grupo seja interdisciplinar e tenha visões diferentes, com participação de estudantes e funcionários não-docentes. “O debate não se reduz a questão da PM no campus”, lembra Pastore. “Precisamos ouvir as pessoas, entender suas insatisfações para começar a agir. Arrumar a casa é parte desse processo”. Um de seus projetos iniciais é realizar uma pesquisa de opinião com a comunidade USP, dos campi da capital e do interior, para pautar as questões prioritárias e mapeá-las.

Além disso, a antropóloga pede que os estudantes também procurem participar, fazendo o caminho inverso. “Seria muito interessante se os centros acadêmicos e o DCE formassem espaços de discussão e chamassem os superintendentes ao diálogo. Não esperem ser chamados, chamem-nos também, criem fóruns de debate, estabeleçam pautas pra gente discutir.”

Festas no campus

Ana Lúcia Pastore reconhece que há diversas fragilidades na segurança do campus Butantã, especialmente à noite. O momento mais crítico é, de acordo com ela, durante e depois de festas que avançam a madrugada. Ela explica que a Guarda Universitária envia boletins diários à Superintendência, que os utiliza para direcionar o contingente de segurança aos locais mais propensos a violência. No entanto, é difícil garantir a segurança dos estudantes em festas porque “o efetivo da Guarda Universitária não aumenta durante a noite nem de acordo com o dia da semana.”

Com relação à realização de festas dentro da universidade, Pastore não se posiciona nem a favor, nem contra. “Precisamos descobrir o que pensam as pessoas, tanto as que frequentam quanto as que não frequentam esses eventos. Temos que dialogar com quem é a favor e com quem é contra também”. Além disso, ela questiona como outras universidades, do Brasil e do exterior, estão enfrentando isso: “Não precisamos necessariamente de modelos que sejam aplicáveis aqui, mas olhar exemplos”.

Invasões da reitoria

Para Ana Lúcia, a ação da Tropa de Choque em situações de invasão da reitoria não é uma solução para o conflito, mas um sinal de que “ou não se investiu o suficiente, ou falharam outras formas de mediação”. Pastore afirma que o ideal é que não se chegue a esse ponto, mas assume que a ocupação de um prédio é uma forma de sinalizar uma série de demandas. “O que nos compete é criar canais de expressão de insatisfações que sejam mais produtivos que a ocupação de um patrimônio que não é de um ou de outro, mas público”.

Preconceitos

Outra questão prioritária para a nova chefe de segurança da universidade é o combate de preconceitos. Ela menciona que o fato de ser mulher e ocupar esse cargo já é, por si só, uma marca, já que a universidade tem diversos problemas em relação à segurança da mulher. “Há uma questão de gênero aqui no campus. Espero que o fato de eu ser mulher torne algumas vozes mais próximas e traga mais conforto para elas”. Pastore lembra que existem vários outros tipos de preconceito na USP e que, mais do que combatidos, eles devem ser discutidos e questionados: “Praticas de homofobia e de racismo, por exemplo, precisam ser objeto de discussão. Não de mera repressão, mas de discussão. É preciso se perguntar porquê isso está acontecendo aqui”.

Muros da USP

Questionada sobre o atual controle nas portarias do campus Butantã aos fins de semana e à noite, Pastore demonstra preocupação. “O que eu acho que existe é uma fragilidade em relação aos vários pontos de acesso do campus. Entre os próprio estudantes há um medo generalizado de sair por certo acessos, especialmente à noite, e isso é algo que tem que ser enfrentado”.

Expectativas

Em relação a dificuldade orçamentária vivida hoje pela Universidade, a superintendente é realista: “É um problema que alcança a superintendência de segurança mas eu entendo que há um espaço para negociar o que for essencial”. De acordo com a antropóloga, a superintendência teve sua verba toda recolhida, assim como as outras tiveram, mas há espaço para negociação de demandas essenciais. Dentre as situações mais urgentes que demandam investimento estão, segundo ela, a reposição dos uniformes da Guarda, que não ocorre há mais de um ano, a manutenção das viaturas e também dos rádios de comunicação dos funcionários.

Ana Lúcia Pastore conclui a entrevista em tom modesto, assumindo as dificuldades do novo cargo. “É um desafio que me assusta, me instiga. Eu não pretendo estar sozinha, devo me cercar de pessoas que me apoiem, pela suas formações complementares e pela sua vontade de participar. Eu espero muito dos estudantes, dos docentes e dos funcionários, assim como eles esperam de mim”.

Confira a entrevista na íntegra:

Entrevista com Ana Lúcia Pastore, a nova chefe da segurança da USP