Pesquisadores criticam “bananização” do preconceito

Casos de preconceito são frequentes no futebol. Depois de uma banana ser atirada em Daniel Alves durante uma partida entre Barcelona e Villarreal, campanhas e protestos se iniciaram nas redes sociais. No entanto, o jogador escalado para a seleção brasileira não é a primeira e nem será a última vítima do racismo. No domingo (11), a mesma fruta foi jogada em campo durante o campeonato italiano. Desta vez, o alvo era o defensor do Milan, Kevin Constant, da Guiné.

Para Marcel Diego Tonini, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (Ludens) e do Núcleo de Estudos em História Oral (Neho), a reação de Daniel Alves ao comer a banana foi fria e perspicaz. “Mas, de maneira alguma, essa atitude se coloca como uma solução para o racismo, que deve ser encarado seriamente e punido severamente pelas autoridades esportivas e jurídicas de cada país.”

De Charles Miller, no início do século 19, à aceitação de atletas negros nos anos 1920, o Museu do Futebol, no Pacaembu, narra a trajetória do futebol no Brasil (Foto: Ana Beatriz Brighenti)

De acordo com Flávio de Campos, coordenador do Ludens, o jogador teve uma reação de resistência ao racismo, porém uma situação de violência como essa merecia uma postura mais séria. “Eu não acho que seja interessante a gente ficar com essa brincadeira de ‘somos todos macacos’, todo mundo comendo banana, e toda essa ‘bananização’ do preconceito. Eu adoraria que o Daniel Alves, em vez de ter comido a banana, tivesse a colocado na marca de escanteio, chutado a bola e ido embora do estádio.”

O fato de a campanha #somostodosmacacos, lançada posteriormente por Neymar, ter sido feita por uma agência de publicidade, no entanto, incomodou principalmente por associar diretamente “negros” e “macacos”. Além disso, a motivação inicial se perdeu e o que ficou foi uma ideia de autopromoção. Contudo, o saldo foi positivo. “O episódio como um todo, pela capacidade midiática do futebol e pela popularidade dos atletas envolvidos, tornou-se notícia mundial e de alguma maneira fez com que todos refletissem melhor sobre relações raciais, racismo e expressões politicamente corretas, aprofundando a discussão,” conclui Marcel.

É comum acreditar que o futebol seja um espaço racialmente democrático no Brasil graças à presença de muitos e importantes atletas negros. Porém, é necessário analisar não só a trajetória de vida e profissional desses jogadores, como também outras áreas de atuação no esporte. “Quantos treinadores, dirigentes, árbitros e jornalistas negros existem no futebol brasileiro? Essa é a pergunta que desconstrói aquela crença.” Ou seja, apesar de o futebol ser visto como uma área mais maleável das relações raciais, é possível identificar na sua estrutura posições que raramente são abertas aos negros. “Quando eles superam as discriminações sofridas e acessam essas posições, isso ocorre por méritos individuais e não em termos coletivos.”

Preconceito além do racismo

A campanha “Vista sua camisa com orgulho”, criada por Flávio de Campos em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, aponta para outro tipo de preconceito muito presente nos esportes – a homofobia. Flávio aponta que as práticas homofóbicas, disseminadas em toda a sociedade brasileira, são mais intensas no campo esportivo e particularmente no futebol.

Durante a Parada do Orgulho LGBT, realizada na Avenida Paulista, no dia 4 de maio, o Ludens propôs uma intervenção bem humorada: uma sessão de fotos de torcedores de todas as orientações sexuais com as camisas de seus respectivos times. “Foi muito legal ver alguns são-paulinos brincando: ‘eu sou bambi mesmo e vim aqui para tirar foto’, de forma bem humorada. Assumir o bambi é desarmar um pouco o preconceito”, reflete Flávio, que pretende ainda fazer uma exposição e um livro com o material da campanha. Apesar de enxergar a criatividade como a melhor maneira de combater a truculência, o pesquisador consegue entender por que muitos ainda têm dificuldade em aceitar o apelido. “O futebol na nossa sociedade é um índice da construção de uma certa masculinidade. É um ingrediente de diferenciação de gênero.”

Torcedoras posam para campanha durante a Parada Gay paulistana em 4 de maio (Foto: Max Rocha)

Torcidas gays como Bambi Tricolor, Palmeiras Livre e Galo Queer são vítimas de ameaças constantes no mundo virtual. “Aí é o esgoto. Os comentários de blogs, de face, o anonimato permite essa covardia fascista. Mas que revela muito o nível de incômodo com a opção sexual dos outros”, comenta Flávio. “Atletas que, por acaso, pudessem vir a assumir sua identidade homoafetiva, correriam o risco de terem sua carreira prejudicada, interrompida.”

Sobre a Copa do Mundo, Flávio destaca a capacidade que o futebol tem de potencializar algumas tensões da sociedade brasileira. “É um momento oportuno para pensar que tipo de sociedade estamos construindo, que tipos de questões temos de enfrentar e tentar modificar.” Assuntos como rivalidade entre clubes, racismo e relações de gênero estão sendo discutidos por pesquisadores de todo o mundo no II Simpósio Internacional de Estudos Sobre Futebol entre os dias 13 e 16 de maio.