Festas precisarão de autorização prévia

No entanto, não foram criadas medidas para fiscalizar eventos que descumpram novas normas
Festa realizada na Prainha da ECA em 2014: eventos ocorriam sem necessidade de autorizações | Fotografia: ECAtlética
Festa realizada na Prainha da ECA em 2014: eventos ocorriam sem necessidade de autorizações | Fotografia: ECAtlética

Em decreto publicado em 27 de agosto de 2015 no Diário Oficial do Estado, a reitoria da Universidade de São Paulo regulamentou a realização de eventos festivos nos espaços de suas unidades universitárias do campus da capital.

A resolução procurou fundamentar-se em três pilares: na preservação de um ambiente de convivência, que não cause  prejuízo à realização das atividades acadêmicas de ensino, pesquisa, cultura e extensão; no vínculo com a promoção de educação e cultura, atendendo às normas internas da universidade e à legislação do país e no diálogo com a administração da universidade, com os gestores e com os órgãos representativos das unidades universitárias.

Os seis artigos da resolução, com seus respectivos incisos e parágrafos, têm um caráter essencialmente restritivo à realização de “festas” em quaisquer espaços do campus da capital.

O Artigo 1º detalha em diversos incisos e parágrafos uma série de exigências relacionadas aos três pilares acima descritos. Entre estas, que as festas tenham “compatibilidade com a vida universitária”; que tenham dimensão compatível com o local físico de realização e que não comprometam o “bom andamento” das atividades essenciais à universidade.

Prevê, ainda, para a realização de tais eventos, autorizações prévias, bem como a proibição de compra, venda, fornecimento e consumo de bebidas alcoólicas, passando pelo atendimento à NBR-ISO 31.000 (Norma Brasileira de gestão de Riscos), pela observação das normas do Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), do atendimento de emergências médicas, de pareceres e licenças de órgãos superiores da Universidade, entre outros.

Por outro lado, a resolução traz outras dificuldades àqueles que pretendam promover ou organizar eventos dessa natureza. Projeta-se sanções, “nas esferas civil, penal e administrativa”, caso alguma das cláusulas previstas no regulamento ou no termo de responsabilidade assinado sejam infringidas.

A autorização do evento fica condicionada à apresentação de requerimento ao Diretor da Unidade Universitária, com considerável antecedência (no mínimo, 45 dias úteis), detalhando local, data, horário de início e fim das atividades e justificando a necessidade de uso daquele espaço. Exige-se também que os organizadores das festas possuam vínculo formal com a USP e se responsabilizem pela devolução dos espaços utilizados devidamente limpos, “sem presença de lixo, móveis, equipamentos e objetos não pertencentes ao mesmo”.

A segurança e as festas em outras universidades paulistas

Matheus Costas Cruz cursa engenharia mecânica na Universidade Estadual de Campinas e foi coordenador do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade em 2014. Ele conta que, na Unicamp , a segurança dentro do campus é realizada por uma empresa terceirizada e tem função essencialmente patrimonial. Apesar de dever resguardar o patrimônio, a segurança, tal como é, acaba representando “umas das expressões de uma universidade com muros, portarias, que exclui a população do espaço público e faz parte de um projeto de universidade produtivista que cerceia a vivência universitária”, conclui o estudante.

Em relação à permissividade de festas dentro do campus, assim como na USP, houve uma deliberação do Conselho Universitário da Unicamp, a CONSU-A-009/2009, que dispõe sobre a realização de festas e eventos culturais dentro da universidade. Conforme explica Matheus, “a regulamentação mais dificulta a realização das festas do que ajuda com que elas ocorram em segurança. Se você vir a deliberação, com certeza vai perceber que ela é feita para dificultar e muitas vezes se prevenir de que a universidade seja responsabilizada por qualquer coisa que aconteça e possa punir a organização da festa.”

A discussão acerca da realização de festas no campus principal da UFSCar, em São Carlos, interior paulista, também se intensificou recentemente. Desde o fim de julho, a universidade passou a controlar o acesso ao campus, impedindo a entrada de pessoas sem vínculo institucional a partir das 19h. A medida, aprovada pelo Conselho Universitário (ConsUni) veio depois da ocorrência de furtos e atos de violência nas dependências da universidade. Os espaços em que são promovidos shows e festas recebiam também pessoas que não pertencem à comunidade acadêmica. O DCE da UFSCar elaborou um plano alternativo de combate à violência no campus, em que afirma que a “restrição e controle autoritário de acesso ao campus partem de uma lógica excludente, que desrespeita os direitos individuais e coletivos dos grupos sociais impedidos de acessar esse espaço”.

Deve o abuso impedir o uso?

As festas nos recintos da USP, na prática, já são “impedidas” desde o início do ano letivo de 2015. A medida foi tomada após acontecimentos traumáticos ocorridos em espaços dessa universidade, no ano anterior.

Um dos fatos que contribuiu par a decisão dos dirigentes da Universidade foi a morte do estudante Victor Hugo Santos que participou de uma festa no velódromo do campus Butantã, em setembro de 2014. O corpo do jovem foi encontrado boiando em uma das raias olímpicas, três dias depois. Foram também determinantes na tomada de posição “antifestas” as notícias, veiculadas na mídia, de violação de direitos humanos nos trotes aplicados aos calouros não só da Universidade de São Paulo, mas de vários campi das três universidades estaduais paulistas – USP, Unicamp e Unesp –, assim como denúncias de casos de violência, homofobia e machismo dentro do ambiente universitário da USP.

No entanto, grupos ainda se organizam e promovem eventos abertos, ignorando a proibição e utilizando-se dela para reacender a discussão sobre a regulamentação das festas e dos momentos de convivência no campus Butantã, bem como de sua importância para a vida universitária.

O primeiro desse caráter, o evento “Festão Contra a Proibição: Dança Zago, Dança até o Chão”, foi promovido pelo DCE em parceria com outras entidades e centros acadêmicos da USP. A comissão organizadora, que segundo comunicado da universidade no dia 31 de agosto estava sob investigação, defende o apoio à autonomia de ocupação dos espaços estudantis.

As Quinta i Brejas (QiBs), eventos regulares de convivência de maior tradição da USP, também têm acontecido normalmente. Semanalmente, na “Prainha”, espaço de convivência da Escola de Comunicações e Artes (ECA), os estudantes continuam se reunindo, agora também como forma de resistência à regulamentação das festas. O “CANiL_ Espaço Fluxus de Cultura”, ocupação uspiana responsável pela organização do último evento, afirmou em nota ser também contra a proibição da venda de bebidas, proibida no campus desde 2012.

A forma como se dará a fiscalização e o cumprimento das especificações colocadas para a realização de eventos na resolução promovida pela reitoria, que garantiriam a efetividade da medida, permanece, no entanto, em aberto. Contatados pelo Jornal do Campus, policiais representantes do modelo de policiamento comunitário Koban, em vigor na USP desde o começo do mês, declararam que não foram orientados para intervir em situações desse caráter. “Funcionamos da mesma forma que a PM funciona fora do campus. A proibição das festas é uma regulamentação interna, da USP, então não podemos fazer nada”, afirma o Sargento Roque, presente na base instalada próxima à portaria 3 no dia 18/09.

A Superintendência de Proteção e Prevenção Universitária, responsável pela Guarda Universitária, declarou que também não estava apta a concretizar qualquer tipo de ação proibitória. De acordo com o responsável pelo órgão, Profº Dr. José Antonio Visintin, “ à Guarda Universitária cabe relatar os fatos (festas com ou sem álcool) que ocorrem nos eventos e encaminhar aos órgãos competentes, conforme especificado pela portaria”. Durante a última edição da Quinta i Breja, testemunhas disseram ter visto membros da Guarda Universitária fotografando o evento.

Por Giovana Bellini e Guilherme Eler