Pesquisas da USP testam efeitos do canabidiol no tratamento de doenças

Substância extraída da Cannabis mostrou eficiência em problemas inflamatórios e degenerativos

Diversas pesquisas desenvolvidas na USP vêm estudando o canabidiol como base para tratamento de alguns tipos de doenças. A substância tem se mostrado eficiente no tratamento, tanto de transtornos mentais, quanto de doenças inflamatórias nos experimentos realizados.

O canabidiol é o principal constituinte da Cannabis sativa e representa um pouco mais de 40% dos extratos da planta. Ele não tem efeitos psicoativos, assim como não causa dependência e funciona como um ansiolítico, regula o funcionamento de determinadas partes do cérebro. Em janeiro desse ano, deixou de ser considerado uma substância proibida e entrou na lista de medicamentos de uso controlado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Entre os trabalhos desenvolvidos na USP sobre o assunto, está a pesquisa de Iniciação Científica da aluna Gabriela Tosta, orientada pelo professor Thiago Mattar, professor do Departamento de Farmacologia da USP de RIbeirão Preto, que estuda a atuação do canabidiol e dois de seus análogos no tratamento de doenças inflamatórias. A pesquisa está sendo desenvolvida na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e foi apresentada no 23º Siicusp (Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP), no último dia 26.

O estudo utilizou experimentos in vitro para observar o efeito do canabidiol e dois de seus análogos nas células do sistema imunológico que sintetizam citocinas inflamatórias – os macrófagos. O resultado obtido foi semelhante ao dos medicamentos anti-inflamatórios esteroides, porém, sem os seus efeitos colaterais, que incluem retenção de líquidos, aumento da pressão arterial e alterações metabólicas.

O canabidiol, assim como os medicamentos anti-inflamatórios esteroides, inibe nos macrófagos o fator de transcrição que faz a síntese das proteínas inflamatórias, o NFkB, porém o faz isoladamente, sem afetar outras estruturas do organismo, como acontece com o uso dos medicamentos tradicionais. Os anti-inflamatórios não esteroides apresentam mecanismo de funcionamento diferente, entretanto também afetam outros processos além do inflamatório, como a proteção do estômago contra ácidos produzidos no seu interior, o fluxo de sangue nos rins e a coagulação sanguínea.

A pesquisa também foi dedicada ao estudo dos efeitos de dois análogos do canabidiol, o HU-474 e o HU-290 — substâncias desenvolvidas a partir do canabidiol com pequenas modificações moleculares. Segundo o professor Mattar, o análogo HU-290 se mostrou ainda mais efetivo no tratamento. “Ele tem a habilidade de inibir a citocina envolvida nas doenças inflamatórias sem causar a citotoxidade para as celulas, enquanto o canabidiol, embora tenha apresentado esse efeito, teve um certo grau de citotoxidade”, afirma.
Para receber financiamento para aprofundar a pesquisa, o estudo já foi inscrito no programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnolgia (INCT) pelo professor José Crippa, autor de diversas pesquisas sobre o tratamento com canabidiol para transtornos mentais, e aguarda aprovação.

Arte: Paula Lepinski
Arte: Paula Lepinski

 

Transtornos mentais

A professora pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, Andréa Torrão, fez estudos com canabidiol durante seu pós-doutorado na Espanha, antes de o estudo da droga ser permitido no Brasil. Na pesquisa, os neurônios foram submetidos a um processo similar ao da esclerose múltipla, que levou à morte dessas células. Entretanto, após o tratamento com a substância, as estruturas foram recuperadas.
As pesquisas produzidas no ICB são realizadas com canabinoides sintéticos, que têm função similar à do fármaco original, uma vez que os estudos com o canabidiol ainda não são permitidos em território nacional.

Até o momento, as conclusões apontam para resultados positivos na maioria dos casos. Um exemplo são as habilidades motoras dos pacientes com o mal de Parkinson, que tiveram uma boa resposta com o tratamento com as drogas sintéticas. “Há dados positivos em favor dos canabinoides, mas a gente está ainda em uma fase muito inicial, a gente ainda não entende os mecanismos de ação dessas drogas”, aponta Andréa.

Em todo o mundo, os medicamentos com base em canabidiol são permitidos apenas em alguns casos em que já são bem conhecidos os resultados e os efeitos colaterais, após inúmeros testes dos medicamentos por muitos anos. Por isso, ele ainda não é utilizado em larga escala comercial. A professora ainda aponta que “isso está começando no Brasil e eu acho que a gente ainda precisa estudar bastante antes de liberar qualquer medicamento, seja qual uso for”.

Regulamentação

A medicação da substância foi liberada pelo Conselho Nacional de Medicina no ano passado e pode ser prescrita em casos de epilepsia grave. É indicada principalmente para crianças e adolescentes que não reagiram adequadamente com os tratamentos convencionais. Em outros países, a droga é prescrita para o uso em casos de glaucoma e de esclerose múltipla.
Conforme prevê a Resolução nº 17 de 2015, a importação de produtos a base de canabidiol acontece em caráter de excepcionalidade para uso próprio de pessoas físicas que devem ser previamente cadastradas na Anvisa. Para obter acesso ao fármaco, a Anvisa analisa pedidos do uso da droga e dá permissões para importação do produto com validade de um ano. Desta forma, pode ser feita a importação do canabidiol com uma receita e um laudo médico válido que apresente os resultados positivos do tratamento.

Por Gabriel Margato e Roberta Vassalo