Querido professor: uma carta sobre homofobia no ensino

Querido professor,

Hoje não venho conversar sobre as curiosidades da última aula. Aquela questão que antes permeava minha mente já não me importa mais. Não se espante pelo meu aparente desinteresse, apenas estou colocando estes assuntos de lado por um instante para tratar de algo que certamente passou despercebido em suas aulas, mas que chamaram a nossa atenção. Digo “nossa” porque, acredite, hoje sei que não estou sozinho.

Precisamos falar sobre homofobia no ensino.

(charge: Walter Rego @regomanso)
(charge: Walter Rego @regomanso)

A escola, que deveria abraçar as diferenças, pode ser o ambiente mais opressivo que existe. Na primeira vez que ouvimos a palavra “gay”, geralmente não temos mais do que dez anos de idade. Não sabíamos o que significava, sabíamos unicamente que era algo ruim pelo contexto no qual estava sempre inserida. Sabíamos que ninguém queria ser algo ruim. Sabíamos que ninguém queria ser lido como gay.

Descobrimos o significado já na puberdade, quando o maniqueísmo nos é apresentado em suas diferentes formas. Sexualidade sempre fora um tabu na minha e em muitas famílias na época – e surpreendentemente permanece até os dias de hoje. Na falta de um diálogo em casa, crescemos com o discurso de professores que misturam seus preconceitos em meio a axiomas matemáticos que assimilamos como incontestáveis.

Olhando para trás, percebo que senti a falta de educadores que abordassem o assunto e elucidassem questões que iam além dos livros. Vi professores que não apenas silenciavam, mas colaboravam ativamente na reprodução da violência. Brincadeiras não eram consideradas como manifestações de agressão e meus colegas de classe e eu crescemos naturalizando e banalizando expressões de preconceito.

Descobrir-se homossexual é o que nos obriga a rever os dogmas aprendidos até então. Temos que estudar por conta para nos aceitar e viver confortavelmente dentro de nossa própria pele. Queremos uma justificativa para o que acontece conosco e, sem amparo na religião, voltamo-nos para a ciência.

Aprendemos que a tendência a pensar por oposições é uma característica da sociedade moderna: preto ou branco, certo ou errado, coisas de menino ou menina. Vemos no machismo e no ideal do “homem com H” as raízes da homofobia: homens heterossexuais residem no cume, enquanto gays, vistos como similares às mulheres e, portanto, inferiores, agarram-se à beira do precipício. Compreendemos que a homossexualidade é algo natural e pouco a pouco construímos nossa armadura.

Ao adentrar a universidade, descobrimos que, paradoxalmente, quem tem ensinado a comunidade a agir no respeito à diversidade são os próprios estudantes. Encontramos um ambiente de acolhimento, onde grupos, coletivos estudantis, movimentos e até linhas de pesquisa dedicam-se abertamente ao debate sobre as diferentes formas de se identificar com os gêneros e de viver a sexualidade. É possível, pela primeira vez, experimentar a alegria de sentir-se pertencido e empoderar-se em uma sociedade onde impera a heteronormatividade.

Agora, levanto um porém. Muito me incomoda notar que, mesmo no ambiente universitário, muitos preconceitos são perpetuados na forma de piadas “inofensivas”, comentários jocosos e ironias difíceis de tragar. Entristece-me ainda mais ver que tais atos, frequentemente, vêm de profissionais da educação.

Peço, professor, que não se ofenda quando pontuarmos que uma piada foi machista, racista ou homofóbica. Entendo que cada um de nós está inserido em um contexto social único, e não acredito que seja possível, para você, despir-se dos preconceitos da mesma forma que eu fui obrigado para dar fim ao conflito entre quem eu sou e quem me obrigavam a ser. Porém, também acredito que sua posição como educador facilita a compreensão das consequências de uma simples piada e como o discurso que ela carrega se propaga por gerações.

Peço que tenha isso em mente ao repensar sua didática e o modo como insere suas opiniões em aula. A sala de aula deve ser um espaço de debate constante, porém, não cometa o erro de confundir preconceito com opinião. Não defenda a falsa simetria do racismo reverso, da opressão contra homens cisgênero e da heterofobia.

Peço que não venha com esse papo de que o mundo está chato. Para o negro da São Remo que não é bem-vindo nas festas e nos espaços universitários, para transexuais que lutam pelo simples reconhecimento do nome social na universidade, para as mulheres que lidam com o assédio dos colegas de classe, professores e funcionários, e para os homossexuais que têm medo de demonstrar afeto em público e colocar em risco a própria segurança, o mundo já estava chato há muito tempo.

Por fim, peço que reflita sobre como a sexualidade envolve o crescimento global do indivíduo, tanto intelectual, físico, afetivo-emocional e sexual propriamente dito, com consequências que perpetuam até o fim da vida. Se tive aulas sobre prevenção de DSTs e combate às drogas no ensino fundamental, parece-me contraditório que não haja espaço para a discussão sobre as questões de gênero e orientação sexual.

Agora que conquistei sua empatia, faço um convite para pensarmos juntos em como promover o respeito à diversidade. Vamos cobrar que a formação dos professores aborde a sexualidade, disseminando o que as pesquisas já descobriram a respeito. As atuais iniciativas governamentais, que sofrem ampla resistência, também precisam do apoio dos profissionais da educação.
A universidade e a escola, como instituições de ensino e formação social, devem ser um ambiente em que todos os alunos se sintam acolhidos. A proatividade na promoção dessas discussões é essencial para que os alunos sintam-se confortáveis e dispostos a procurar o apoio de educadores como eu gostaria de ter procurado durante a puberdade, diante da impossibilidade de estabelecer um diálogo com a família. As regras de convivência e as ações concretas de gestores devem atuar para dar fim à política dos panos quentes e da falta de empatia para com os LGBTs e demais minorias.

Hoje, percebo que há tantas formas de ser quantas são os seres humanos. Sonhemos, juntos, com o dia em que a construção da sexualidade em suas diferentes formas deixará de ser um tabu nas famílias e na educação, sendo encarada como o que realmente é: algo natural e inerente ao ser humano.

Marcos Nona