Frente feminista pressiona e altera festa marcada por abusos

Após hiato de dois anos, tradicional festa da Medicina volta com novo nome e novos moldes

A Associação Atlética Acadêmcia Oswaldo Cruz (AAAOC) da Medicina anunciou, essa semana, a substituição da festa “Fantasias no Bosque”, evento tradicional da faculdade marcado para acontecer no sábado, 14. No lugar, entra “A Primeira”, nos mesmos local e data do evento anterior, e mantendo o traje à fantasia obrigatório. A alteração pretende ir além do nome e é uma reação ao boicote proposto pelo Frente Feminista Universitária de São Paulo, organização que reúne 17 coletivos feministas da USP e 32 de outras instituições de ensino, totalizando o apoio de 49 organizações.

Malu, Andressa, Helena, Helona a Thas, da Frente Feminista da USP, comemoram a conquista

Novos moldes

Depois de dois anos sem fazer festas grandes, a Atlética anunciou a volta da “Fantasias no Bosque”, mas em novos moldes. A festa, já envolvida com casos de violência sexual de machismo, voltaria “repaginada”. Teria a segurança reforçada, bebidas servidas por profissionais –  o que evitaria, na visão dos organizadores,  adulterações -, a adoção de “anjos da guarda”, voluntários treinados para lidar com pessoas em situação de vulnerabilidade pelo excesso de álcool e a parceria com o “Centro de referência e defesa da diversidade”. Estas medidas tentariam combater o estigma do machismo que ronda o evento.

Além disso, foi anunciado o acesso livre a todos os ambientes da festa — nas edições passadas eram comuns relatos do acesso permitido apenas a casais heterossexuais ao bosque, área com árvores e clima de mata fechada.

Antes ainda da mudança de nome, a Frente Feminista, encabeçada pelo Coletivo Feminista Geni, da Medicina, propôs o boicote por achar que a festa carrega uma bagagem histórica irreversível. “A gente reconhece que houve esforço da Atlética em tentar fazer a festa em moldes melhores mas a ‘Fantasias’, devido ao seu histórico, não pode acontecer porque sua própria existência já é uma violência para quem sofreu nessa festa”, afirma Maria Luiza Corullon, caloura da Medicina e integrante do Geni.

Depois de quase 4 mil assinaturas, contabilizadas até o fechamento dessa edição, na petição on-line que pedia o boicote à festa, a Atlética se viu pressionada a fazer mudanças e o evento se tornou “A Primeira”. A mudança de nome pode ser considerada uma vitória da Frente Feminista. Na prática, a festa é outra já que conta com novos aspectos, um novo local e, agora, um novo nome.

Em comunicado oficial, a Atlética afirma que “essa festa carregava um nome antigo, que já não representa os princípios deste novo modelo de evento”. Além da mudança de nome, os ingressos passam a ser do mesmo valor para homens e mulheres – quando ainda era “Fantasias no Bosque”, os ingressos femininos eram cinco reais mais baratos, conduta que também foi alvo de críticas por parte da Frente Feminista.

 

Histórico

As festas do “Bosque” são tradição na Medicina. Até 2013, ela acontecia em duas edições, a “Carecas no bosque”, em referência à falta de cabelo dos calouros do curso, que acontecia no primeiro semestre. Na segunda parte do ano, por sua vez, acontecia a “Fantasias no Bosque”, nos mesmos moldes da outra mas com o traje à fantasia obrigatório.

As festas do bosque eram envolvidas em controvérsias. Casos de estupro já foram supostamente acobertados pelos organizadores dos eventos em edições anteriores. Na última edição, houve relatos de casos de homofobia e machismo – um exemplo seria o acesso ao bosque, permitido apenas para casais héteros. Também houve denúncias de abuso sexual nos “cafofos”, barracas dedicadas aos times da faculdade.

Em 2014, após denúncias de machismo e violência sexual na festa do “carecas”, junto com a CPI da Universidade, que investigava supostos casos de estupro e a proibição de festas nos Campi da USP, a Aaaoc suspendeu os tradicionais eventos.

Dois anos mais tarde, ela anunciou a volta do bosque, dessa vez fora das dependências da USP. A mulher hiper sensualizada nos cartazes de divulgação da festa também deixou de existir, dando lugar a referências a florestas. Mesmo isso não foi suficiente para apagar a “fama” dos eventos.

 

Vitória

Com todas as mudanças nas características da festa, coroada com a sua troca de nome, parte dos objetivos das organizadoras do boicote se realizou. Porém, o intuito dessa organização ia além de cancelar a realização desse evento que trazia uma carga negativa. Desde o início, elas cobravam algum tipo de reconhecimento e retratação com as vítimas de violência e omissão nas edições passadas das festas do bosque. Elas alegam que a Aaaoc não ajudou a construir uma memória das dívidas. A Frente Feminista comemorou, mas não completamente.

Por isso, segue marcado o ato “Boicote ao Bosque: memória, verdade e reparação”, que acontecerá nessa sexta-feira (13/05), às 13h no Largo do São Francisco em frente à Faculdade de Direito da USP. Lá, será ministrada uma aula pública para dar voz às vítimas e não deixar o movimento ser esquecido. “Vencemos, em grande parte, mas ainda falta muito para alcançar nosso objetivo”, diz Corullon. Procurada pelo Jornal do Campus, a Associação Atlética da Medicina não quis se pronunciar.

Sofia Mendes