A hora dos “não políticos” na Presidência?

Discurso de outsiders nega a política e faz sucesso em momento de descrença no sistema

(Arte: Nara Siqueira)

Emmanuel Macron, novo presidente da França, traz algumas peculiaridades em sua vitória: é o presidente mais jovem já eleito, aos 39 anos; foi ministro de François Hollande pelo partido socialista, embora não se considere um socialista, e era desconhecido no cenário político até três anos. Pela primeira vez, desde 1958, o chefe do executivo francês não é de nenhum dos dois partidos principais, o Socialista e o Republicanos. Macron se elegeu pelo seu próprio partido, o En Marche!, cuja ideia principal é não se definir nem de direita nem de esquerda, mas uma união de ambos, suprindo o que ele chamou de “vácuo político”.

A vitória de um candidato considerado “antissistema” foi atribuída tanto à necessidade de uma cara nova quanto aos erros dos antigos partidos, segundo a Euronews. Essa negação a figuras tradicionais e a sensação de vácuo pôde ser sentida em outros países, inclusive o Brasil, o que pode dar margem para o surgimento de personagens de fora do meio político e que se classifiquem até como “não-políticos”.

Diversos candidatos considerados outsiders têm aparecido, sendo o principal deles o presidente americano Donald Trump. Embora o termo não seja adequado para classificar Macron, seu discurso contra o espectro político e o marketing do “novo” tem feito sucesso e se assemelha em alguns aspectos ao dos personagens considerados outsiders. No caso dos Estados Unidos e do Brasil, dizer-se “não político” já apresentou resultados, mesmo que na prática o discurso não seja tão verdadeiro.

Segundo o cientista político e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas (Nupps) da USP, Nuno Coimbra Mesquita, é possível atribuir duas definições para outsider: aquele candidato que nunca fez uma carreira política anterior e aquele cujo histórico político existe, porém se lança como uma opção completamente diferente de seus adversários.  Trump é o maior exemplo de candidato não convencional, pois, embora fosse muito conhecido pelo meio político, principalmente por sua relevância como empresário, ele nunca fez uma carreira política. No Brasil, as eleições municipais também apresentaram tais personagens, como o empresário João Doria. Para as eleições de 2018, até nomes como os dos apresentadores Luciano Huck e Roberto Justus já foram especulados.

Falta de representatividade

Esses personagens tendem a ganhar popularidade em momentos de crise e insatisfação com as figuras políticas conhecidas. “Esse surgimento advém do contexto que estamos vivendo em vários países de uma certa crise da democracia, da política e do papel dos partidos políticos tradicionais. E é uma onda que não é exatamente de agora e não só no Brasil, é de um nível maior de desconfiança das instituições”, explica Mesquita.

Com essa falta de identificação, o eleitorado fica vulnerável a figuras carismáticas e que prometem resolver os problemas de maneiras completamente diferentes das que vinham sendo feitas até então. Porém, a professora Maria Antonieta Del Tedesco Lins, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP alerta para o surgimento de candidatos oportunistas que se aproveitam dessa onda de insatisfação para lançarem seus nomes.

“O que esses candidatos estão fazendo é se aproveitar dessa desilusão com a política tradicional para falar ‘eu não sou político’, mas na verdade isso não existe. É por isso que não dá para dizer que o Macron não seja político. Ele tem uma formação e tem uma experiência no setor público, ele só não tem os anos de parlamento”, afirma a professora.

No Brasil, além da crise econômica que vem desde 2010, casos de corrupção sendo descobertos pela Operação Lava-Jato têm agravado o sentimento de insatisfação. Em resposta, nomes muito pouco cogitados antes têm sido levantados pela população para a corrida presidencial de 2018. O deputado federal Jair Bolsonaro, até então considerado apenas um radical da extrema-direita, ganhou visibilidade nos últimos anos, se aproximando de políticos tradicionais como Marina Silva, segundo a última pesquisa do Datafolha.

Apesar de se lançar como um personagem não-tradicional da política brasileira, Bolsonaro já tem uma carreira política mais longa, tendo, inclusive, filhos que também são deputados. “Ele pode utilizar a retórica de ser um outsider, mas ele não é necessariamente um”, explica Nuno Coimbra Mesquista. “Ele pode usar essa retórica no sentido de uma crítica às estrutura partidárias e democráticas, mas ele de certa forma pertence a essa estrutura”.

O estudante de Análise e Desenvolvimento de Sistemas do Instituto Federal de São Paulo, Artur Marques, vê em Jair Bolsonaro uma boa alternativa além dos políticos que estão atualmente envolvidos em escândalos, embora ele pontue que não concorda com algumas posições extremistas do candidato. “Entre todos os candidatos especulados pela mídia à chefia do Executivo, considero o Bolsonaro o melhor. Não é melhor para o País, mas o melhor entre os presidenciáveis até agora”, afirma. “Seria um voto de quem não tem mais quem escolher, pois a qualidade do resto dos candidatos é lamentável, nossa classe política precisa de uma reforma urgente”.

O prefeito de São Paulo, João Doria, é uma outra opção cotada pelo público para a presidência. Em sua campanha, Doria utilizou o discurso de ser um gestor e prometeu comandar os serviços públicos da mesma maneira que comanda uma empresa privada. Além disso, o atual prefeito, assim como Donald Trump, foi apresentador do reality show “O Aprendiz”.

Contudo, o nome que mais chamou a atenção nas últimas semanas foi o do apresentador de televisão Luciano Huck. Após uma entrevista à Folha de S.Paulo em que afirmou estar na hora da “sua geração” chegar ao poder, uma série de especulações sobre a possível candidatura do apresentador surgiu nos meios de comunicação. Porém, em artigo à própria Folha, ele negou a candidatura. O mesmo ocorreu com o também apresentador (e também do reality “O Aprendiz”) Roberto Justus em 2016.

Cenário para 2018

Também em entrevista à Folha, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ver em figuras como Doria e Huck o “novo” da política. A exigência pelo novo também é uma demanda notada pelo pesquidador Nuno Mesquita. Porém, tanto ele quanto a professora Maria Antonieta Lins consideram difícil uma vitória desses “outsiders brasileiros”.

“É importante ressaltar que o sistema de eleição americano é muito diferente do brasileiro”, pontua Mesquita. “Os Estados Unidos possuem uma disputa bipartidária que, embora não seja tão simples a ascensão de outsiders, costuma facilitar mais que a disputa brasileira fragmentada em diversos partidos”.

Por possuir dois partidos com grande expressão, Trump teria dificuldade de se eleger se tivesse sido lançado como candidato independente, por isso a sua entrada no sistema político através do Partido Republicano foi determinante para a vitória. Já no sistema brasileiro, em que é possível diversos candidatos se lançarem para a corrida à presidência dentro dos mais variados partidos, a probabilidade de um desses outsiders se destacar diminui.

A professora, o cientista político e o estudante eleitor concordam em um ponto: a solução está na reforma política. “Você precisaria de determinadas reformas que diminuíssem o número de partidos, acabando com as coligações proporcionais, mexendo um pouco no financiamento dos partidos e forçando os candidatos e procurar a população diretamente”, explica Mesquista. Porém Maria Antonieta destaca a dificuldade que a reforma tem encontrado para ser aprovada, já que os maiores beneficiados pelo atual modelo político são os responsáveis por fazer a reforma. Mas os dois especialistas são otimistas quanto ao futuro, confiando numa melhora nesse vácuo de representatividade após uma recuperação econômica.