Onde foram parar as bandas da USP?

Alunos têm de criar iniciativas independentes para incentivar a música na Universidade

Da esquerda para a direita: Matheus, Mardem, Giovani e Luca. Integrantes da banda Sukya||Porno, formada em 2015 em um encontro de calouros da Escola Politécnica. (Foto: Leticia Fuentes)

O Programa Nascente, criado em 1990 para incentivar o fazer artístico entre os alunos da USP, está com inscrições abertas para sua 25ª edição até 31 de maio. Em 2016, o concurso teve 38 inscritos em música popular – número muito abaixo dos 86 participantes de sua edição inicial. Nesses 26 anos que separam as duas edições, muitos acontecimentos marcaram a história da Universidade, como trocas de gestões, cortes de investimentos e transformações nos espaços estudantis que influenciaram a produção cultural fora da sala de aula. Neste contexto, grandes grupos musicais que fizeram da USP um palco importante em sua trajetória, como O Terno, Garotas Suecas ou Filarmônica de Passárgada, são cada vez mais raros.

“Eu vi um monte de bandas boas surgindo aqui”, diz Iuri Barros, aluno de filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e guitarrista do Pizza Punk, um dos grupos que há anos toca em eventos de estudantes. “E ainda surgem, mas não vejo mais espaços para mostrarem esse talento.” Para ele, a perda de espaços estudantis é um dos motivos pelos quais a USP deixou de ser um local de efervescência no cenário musical. Em 2008, quando ingressou em história – curso no qual se formou –, conheceu o trabalho do Pizza Punk vendo eles tocarem em uma festa na FFLCH. “Eu olhei para o Guilherme [outro guitarrista] e disse ‘eu quero tocar com você ali, naquela banda’”, lembra. Entre 2009 e 2010, Iuri entrou oficialmente no grupo, que se define como uma banda rock, mas mistura vários estilos musicais, incluindo jazz e funk. Com exceção do baterista, Felipe, todos os integrantes também passaram pela USP.

Mais ou menos na mesma época, outro grupo, chamado Mundo Cana, começou a conquistar o público da Universidade. Reunida por Diego Corrêa, formado em Ciências Sociais pela FFLCH, a banda ganhou sua configuração de seis integrantes em 2010. Conforme foi se inserindo no mundo universitário, Diego conta que buscou apresentar o Mundo Cana tocando em festas de diversos institutos. A proposta musical do grupo também mescla estilos – mas, muito diferentes da banda de Iuri. “Trazemos todos os instrumentos do forró – violão, guitarra, baixo, zabumbas, triângulo, sanfona –, mas nos vemos como música plural brasileira”, diz. Suas principais influências são Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Chico Science & Nação Zumbi. “A versatilidade rítmica do Mundo Cana levava a uma versatilidade de espaços. Começamos a entrar em lugares que a gente nem imaginava, como a Poli ou o IME. E a galera curte muito. É interessante pensar nesse impacto da banda, nessa reverberação.” Mas Diego afirma que, sem os lugares de convivência estudantil na USP, isso não teria sido possível. “São esses espaços que ajudaram a gente a circular, compartilhar e criar ideias novas. Eles têm muita importância nas trocas culturais e políticas”, afirma.

Mesmo tendo que se reinventar para lidar com as transformações, os grupos musicais não desapareceram completamente da USP, e algumas iniciativas por parte dos estudantes ainda existem para incentivá-los. A banda Sukya||Porno, que toca rock experimental, nasceu durante um evento da semana de calouros da Escola Politécnica (Poli), o RockBixos. Organizado pelo grêmio do instituto, o concurso de bandas agrupa os alunos de acordo com interesses musicais comuns. E foi da edição de 2015 que o grupo surgiu, composto por Mardem Junior, Giovani Baroni, Luca Tornato e Matheus Gonçalves. No momento, eles se dedicam a fazer suas próprias músicas para, no futuro, voltar a se apresentar dentro da USP – e fora também. “Compomos um extended play ano passado com seis músicas e, neste semestre, estamos compondo outro”, conta Mardem. O estudante diz que o grêmio da Poli mantém um estúdio de música disponível para aluguel dos alunos – e é ali onde a banda costuma ensaiar. “Acho que é um estímulo e tanto para tocar. Está ali perto e tem um preço bem mais acessível do que lá fora”, comenta.

A banda de Giuliam Uchima, estudante de publicidade na Escola de Comunicações e Artes (ECA), também alavancou sua trajetória em uma iniciativa de alunos da Universidade. Eles participaram, em 2015, do Festival de Música nas Arcadas (FEMA), organizado pelo Centro Acadêmico (CA) da Faculdade de Direito. O concurso reúne grupos de diversos estilos em uma competição. Giuliam diz que a banda chegou até a final, mas não ganhou. Apesar disso, a experiência foi um aprendizado. “Aproveitamos o ambiente, tocamos músicas psicodélicas e experimentamos bastante”, conta. Batizada de Night Before, o grupo é um cover de Beatles, e atualmente está se reformulando para tocar músicas autorais.

Outro projeto de incentivo à cultura musical é o FEA on the Rocks, organizado pelo CA da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). O evento, que existe desde 2012, quando a vivência do instituto foi demolida, é um encontro com apresentações de bandas de rock. Para participar, os grupos se inscrevem e são escolhidos por uma comissão. “Quase todas as bandas têm pelo menos um integrante da USP”, diz o aluno de administração Lucas Peralta, antigo membro do CA e um dos organizadores do evento até 2016. Para ele, além da importância cultural, o encontro é uma forma de entretenimento barata para os alunos.

Embora não falte incentivo e organização por parte dos estudantes, a visibilidade desses grupos não é a mesma de décadas atrás. E, para Iuri Barros, se os estudantes querem voltar ao que era, reconquistando seus espaços, a briga não será fácil. “A USP sempre foi contra, [a mudança] não vai partir dela. Deve partir dos alunos”, diz. Com uma organização estudantil cada vez mais forte, o guitarrista acredita que é possível transformar o cenário e reacender os holofotes da USP.