Onde você ainda se reconhece? Na foto de capa ou no espelho da porta?
[Alerta de textão]
Não faz uma semana ouvi de minha mãe sobre o presente que pretende dar ao meu irmão de aniversário: um tablet. Só não caí para trás porque já estava sentado. Na verdade estávamos no carro. Eu no banco do passageiro, por sorte. Se estivesse dirigindo talvez causasse um acidente.
Meu irmão tem 7 anos.
Achou normal? Eu achei um absurdo.
Tudo bem… O menino já fuça no computador do meu pai, baixa jogos no celular da minha mãe, acessa Netflix, YouTube. Até problema na TV ele já conseguiu resolver sozinho. Um mini expert. “Já está na hora de dar um tablet pra ele”. Deve ter sido a conclusão da minha mãe. “Ele poderá jogar os joguinhos dele, ouvir as músicas que gosta, assistir os desenhos… Tudo isso sem gastar memória e bateria de outros aparelhos. Que maravilha!”
Mas, enquanto isso, fico preocupado. E meu medo reside no amanhã. Porque hoje são os joguinhos e desenhos animados. Logo mais, serão as redes sociais, que acompanham a necessidade de comunicação de qualquer ser humano. Acostumado desde tão pequeno a essa lógica de mundo que lhe é imposta, essa lógica das interações virtuais, me pergunto como será desenvolvida sua relação com aquilo que software nenhum pode substituir: pessoas de carne e osso.
Já me acusaram de ser um velho num corpo de 20 anos… “Se está assim agora, imagina daqui um tempo”. Negar, eu não nego. Talvez eu tenha, de fato, nascido na época errada. Mas entre reclamações e rabugentices tento ser mais do que um simples saudosista e não refuto a realidade que nos é apresentada. Seria insensatez. Sim, as relações pessoais mudaram, isso é algo claro e não necessariamente nocivo. No entanto, somado a essa nova forma de se comunicar, as redes sociais constroem, sorrateiramente, um universo que distorce os fatos e mascara a verdade.
Não tenho Twitter, Instagram ou Snapchat. Tumblr, Flickr, MySpace já ouvi falar, mas não sei do que se trata. Linkedin, criei para algum cadastro, não lembro a circunstância, e agora fico recebendo e-mails que me enchem a paciência. Um dia, quando a preguiça me der uma trégua, vou apagar esse negócio. Facebook eu tenho. Infelizmente, essa batalha eu perdi. Importante dizer que não criei a conta. Quando tinha 15 anos, uma colega da escola, indignada com a minha indiferença às magníficas interações sociais como joinhas e cutucadas (faz tempo) criou o perfil para mim e apenas me comunicou. “Esta é a sua senha e login. Agora você pode começar a ajudar nos trabalhos em grupo”. Estava decretado o fim das reuniões na casa dos amigos para fazer os trabalhos um dia antes do prazo final. A partir dali os encontros seriam virtuais (mas as datas continuariam às vésperas da entrega).
Sim, eu poderia ter apagado o perfil, se é isso que você está se perguntando. Mas não o fiz. A escolha foi movida pela simples e pura necessidade. Não é de hoje, nem algo de cinco anos atrás. Já faz mais tempo que viver distante do mundo virtual e desprendido das redes sociais tornou-se inconcebível. Comunicação instantânea, acesso rápido às informações, encurtamento de distância, todos esses são fatores que facilitam a rotina e o cotidiano das pessoas. Quem é louco de recusar essas vantagens?
A questão é que ao optar por manter meu perfil, acabei por me tornar mais um refém do mundo virtual e de todos esses atrativos que ele oferece. Entretanto, com uma diferença fundamental: sem adquirir apreço pelo meu agressor. Não sofri da Síndrome de Estocolmo.
As redes sociais deixaram de ser apenas a via de comunicação entre pessoas e passaram a constituir o universo em que habitam. Nesse momento, um Monstro foi criado. O problema é que a maioria das pessoas aprendeu a gostar desse Monstro. E, como se não fosse suficiente, passaram a depender e viver em função dele. A realidade virtual tornou-se mais importante que a própria vida. A vida real. De carne e osso.
Seja em casa, no metrô, na faculdade ou no trabalho. Até em lugares que servem, justamente, para oferecer um desligamento da dura rotina que nos chateia diariamente. Mesmo nesses ambientes é comum se deparar com a necessidade alheia de abastecer suas vidas ‘de mentira’. Mas que a partir do momento em que são compartilhadas com os outros, se tornam as vidas ‘de verdade’. Verdadeiras para quem?
Foram nas últimas férias na praia. Meu irmão brincava na areia enquanto, sentado, eu olhava para o mar. Um momento em que nada era preciso, a não ser a brisa quente do vento no rosto. Em certo momento, um casal surge em meu visual. Preocupam-se de prontidão em tirar uma enormidade de fotos. De frente, de lado, de costas para o mar. Só ele, só ela, os dois, ninguém. Nas fotografias em que aparecem, estão com expressões felizes, fazem poses engraçadas, um conjunto que transmite a quem vê uma sensação de liberdade e felicidade. Quando cessam os cliques, ambos se dirigem à rua, cada um vidrado em seu aparelho celular. Expressões fechadas. Logo vão embora. Lado a lado, sem trocar uma palavra. Não pude deixar de pensar nas legendas que colocaram nas fotos…
Situações como essa são recorrentes. E, ao navegar pelo feed de notícias do Facebook percebemos que se trata de um passeio em um grande Shopping Center. Desatentos, caminhamos devagar, observando apenas o conteúdo das vitrines. Seguimos andando pelos corredores, mas sem entrar nas lojas. Não nos aprofundamos em coisa alguma e por isso nossas convicções são fruto de peças vazias, soltas. A noção de vida é superficial. O casal na praia preocupa-se mais em parecer feliz, do que em ser feliz. Deixa de apreciar o momento, mas assegura-se de que os outros apreciem o momento por eles. Através de likes.
“Nossa, mas que cara chato! Não pode nem tirar uma foto para recordação?” Claro que pode! Só que quanto mais o tempo passa, mais cresce a dependência das pessoas a esse Monstro. Seja em crianças de sete anos ou em adultos na praia. Ao invés de se apresentar como um complemento, uma fuga ou distração ao cotidiano, a internet e, especialmente, as redes sociais estão ocupando um patamar de prioridade, manipulando a vida das pessoas. Estamos presos numa grande bolha. E diante de nossas preferências, gostos e conteúdo que nos interessa, somos incapazes de notar o que somos: reféns de algoritmos e programas de computador. Isso nos aliena e empobrece os debates, discussões. Afinal, não estamos preparados para lidar com adversidades nesse mundo de flores…
Por isso, estou preocupado. Mas como não sou eu quem decide por ele, Tiago ganhará seu tablet de aniversário.
Enquanto isso, sigo tomando coragem para deletar meu Facebook e me mudar para um ônibus abandonado no Alaska. Ou, quem sabe, algo mais prático: criar minha própria Rede Social. Nela, quem curte são os legumes, quem navega são os barcos e se compartilham balas de iogurte. Avatar é o filme, os filtros ficam nas piscinas, post é aquilo que dá luz na rua e hashtag nada mais é que um bom e velho joguinho lúdico.
Ah, e selfies estão proibidas.