Alunos africanos relatam suas experiências na USP

(Foto: Taís Ilhéu)

Entre racismo e dificuldades no acolhimento, intercambistas lutam pela valorização cultural

Por Gustavo Drullis e Ingrid Luisa

O Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), desenvolvido pelo Ministério das Relações Exteriores em conjunto com o Ministério da Educação, oferece oportunidades de cursos superiores a cidadãos de países estrangeiros que possuem acordos culturais e educacionais com o Brasil. Foi através desse programa que intercambistas africanos como o angolano Hailton Biri e Kwa Frederic Tanoh, da Costa do Marfim, entraram na USP, e, apesar de diferentes experiências, sentiram o mesmo: um racismo velado e muito presente no país.

Segundo os indicadores internacionais da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani), desde o começo do ano até agora, a USP recebeu 1550 alunos de graduação de instituições estrangeiras. Destes, somente 9 vieram de países do continente africano – três da África do Sul, um da Etiópia, um de Marrocos, três de Moçambique e um de Ruanda.  Em 2016, a USP recebeu um número ainda menor de estudantes de graduação africanos, somente quatro – um da África do Sul e três de Moçambique.

Para o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Biri, que cursou Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP) durante cinco anos, resolveu expor as dificuldades que esses intercambistas passam na USP. Uma das maiores surpresas com a qual se deparou durante sua estadia no país foi a quebra de expectativas em relação ao acolhimento. “Quando eu fui para o Brasil,  nunca pensei que iria vivenciar isso, sendo um país falante de língua portuguesa, miscigenado, de afrodescendentes. Fui na expectativa de que estaria em casa, seria bem acolhido, mas não foi isso que aconteceu”, diz. No mini-documentário Invisíveis – o cotidiano dos estudantes africanos na USP, é mostrado como preconceitos inimagináveis nos dias de hoje acontecem.

Já a estadia de Tanoh foi um pouco diferente da de Biri. Assim que chegou, ele passou um ano aprendendo português em Salvador, na Bahia. Lá, segundo ele, o calor humano dos baianos foi acolhedor. “Eu me senti um pouco como se estivesse ainda no meu país”. Após ser selecionado para cursar Educação Física na USP, veio para São Paulo, onde está há três anos. “É um pouco diferente, quando eu cheguei aqui me deparei com uma outra realidade”, conta Tanoh, que começou a sentir um racismo não atestado antes.

Apesar de não ter participado das atividades de recepção na USP nem do programa de acolhimento a intercambistas USP iFriends, Tanoh sente que foi bem acolhido pelos estudantes da Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE-USP).  “Acredito que a USP, pelo fato de já ter muitos africanos que já estudavam aqui, facilitou muito a minha integração”. No entanto, conta que “se você não presta atenção, não sabe que está sendo tratado de forma racista, é um preconceito escondido”.

Visibilidade

Biri comenta que a dificuldade enfrentada desde a formação de grupos para a realização de trabalhos em aula até a convivência em optativas. Relatou que turmas à noite, com pessoas mais velhas, eram um pouco mais fáceis, mas ainda complicadas, “era como se você fosse um intruso na turma, uma pessoa realmente inviśivil”. Outra questão relatada foi a diferença de tratamento entre os intercambistas africanos e os de outros países, “Pro brasileiro, africano não é intercambistas. Intercambista é europe ou americano, já ouvi pessoas falarem isso na fila do bandejão”. Apesar de tudo, Biri falou que não esquecia em nenhum momento porque estava ali. Fui com um objetivo, que era me formar e ir embora. Adquirir o conhecimento e voltar pra minha pátria para ajudar no desenvolvimento do meu país”.

Tanoh é morador do Conjunto Residencial da USP (Crusp) e faz parte de um grupo de estudantes africanos da Universidade que, segundo ele, estão lutando pelos seus direitos, pela defesa e promoção da cultura africana dentro da USP. Eles se reúnem esporadicamente, especialmente quando existe alguma demanda de evento ou há algum caso de racismo envolvendo estes estudantes. Tanoh lembra que, desde 2015, já ajudou a organizar diversos eventos com essa temática, como a primeira edição da Festa África, no Centro Cultural Butantã, um seminário sobre a questão racial na FFLCH e uma feira cultural no Crusp. “Nós temos feito alguma coisa, mas ainda é preciso bastante para a gente sentir que está presente”, fala. Biri, assim como ele, enxerga a importância de promover o reconhecimento e a preservação da cultura africana. “Tem diferença de cultura e temos que zelar por esse aspecto”.