O que dizem os latidos de Milu, o mascote do CRUSP

No início de março, a SAS solicitou à Prefeitura do Campus o recolhimento de Milu, cão que vive há quase uma década no andar térreo do bloco B do CRUSP e tem sido alvo de reclamações. Quê o animal diz da situação?

Por Camila Mazzotto

Eu e meu amigo Manoel, porteiro há 36 anos.

Querem me encaminhar ao canil da Prefeitura do Campus. Eu me pergunto: que é que dá em mim para correr atrás de alguns que passam pelos corredores do CRUSP e não mover uma pata quando tantos outros o atravessam?

Sou cria de abandono. Cheguei há quase 8 anos, quando uns 15 cachorros também farejavam um lar nas dependências do CRUSP. Fomos todos abandonados. O abandono nos transforma em reservatórios de doenças, vítimas de atropelamento, ameaças à comunidade. Eu tive sorte. Fiz do andar térreo do bloco B o meu território. Fui castrado, vacinado. Conquistei um canto com ração e água diárias. Não é ingratidão, mas reconheço: esses outros cães tiraram sorte maior do que a minha. Foram adotados, a maioria por funcionários da USP.

Sei que é preciso admitir: não sou um cachorro fácil. No último dia 20, quarta-feira, eram quase 17h quando um senhor que atravessava o corredor assistiu-me correr incomodado ao seu encontro, latindo. Ele carregava uma sacola nas mãos e andava a passos lentos.

Há um morador do bloco B que já tentou até fazer acordo de paz comigo: deu-me biscoitos pedigree e fatias de salame. Não funcionou: devorei a comida, mas continuo rosnando quando o vejo. Ele sempre sai de seu apartamento às 7h e volta às 20h, camuflado entre os tantos estudantes que circulam durante esses horários.

Os que tentam decifrar meu comportamento acreditam que, se reajo, é porque nasci feito cão de guarda, defendo o meu território; que não gosto dos que demonstram ter medo de mim; que sou “cão de lua”, inconstante…

Mas, é preciso dizer: são poucos os que têm problema comigo. O seu Manoel, porteiro há 36 anos, viu-me chegar e só não me adota porque mora em apartamento. É só ele aparecer que agito o rabo, faço festa.

Sei que, se levado ao canil, poderei ter conflitos com outros cães, agredir funcionários e entrar em um quadro de estresse crônico que afetará minha saúde. Nunca fui bom em dividir meu espaço com outros animais.

Ser cão comunitário, por outro lado, não é garantia de receber vacinação, alimentação ou abrigo adequados. O Grupo de Trabalho dos Mascotes (GT), moradores e funcionários da Universidade que tentam socorrer os animais do CRUSP, tenta me ajudar, mas até eles reconhecem que o bloco B não é o lugar ideal para ser morada de um cão, e organizaram um abaixo-assinado pedindo à SAS por minha permanência, até que encontrem um lar para mim.

“Cães têm necessidades específicas que só podem ser atendidas se tiverem um guardião, que se responsabilize por este animal”, escutei o Dr. Ricardo Augusto Dias, da FMVZ, dizer. Quanto a mim, sonho é em deixar de ser bicho coletivo e tornar-me cão de um homem só.