Você sabe o que é “rebixar”? Conheça os relatos de quem prestou vestibular novamente e trocou de curso
Por Larissa Vitória
Se tivesse continuado no curso de Jornalismo, Kaique Canalle Teixeira provavelmente seria um dos repórteres deste semestre no Jornal do Campus. Começamos juntos nossa trajetória na Universidade de São Paulo em março de 2017 mas, ao contrário de mim, Kaique decidiu seguir outro rumo: em 2019, tornou-se calouro do curso de Psicologia, na USP.
“Sempre fui muito tímido e pensei que o jornalismo poderia ser bom para o meu desenvolvimento pessoal, mas sempre me vi atuando profissionalmente em áreas ligadas à psicologia”.
O estudante de 20 anos, nascido e criado na Brasilândia, contou-me que, ainda em 2017, também foi aprovado em psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e Mackenzie.
“Vim para cá porque, com os auxílios para permanência estudantil, conseguiria me manter no curso com mais tranquilidade. Meus pais também achavam que jornalismo seria a melhor opção. Eles assistem muito jornal e achavam que eu poderia ser… é, ser o próximo William Bonner!”.
Mas, se depender de Kaique, sua carreira não estará relacionada ao mundo das notícias. “Na psicologia eu posso ser autêntico e ver uma aplicação prática do conhecimento para ajudar os outros e a mim mesmo. Sinto que cada texto que leio e cada aula que assisto me dão a possibilidade de ressignificar o mundo”.
Enquanto nós, seus primeiros colegas de classe na USP, tentamos vencer o desafio de produzir um jornal quinzenal que circula por todo o campus, Kaique mergulha em um curso integral de cinco anos e avalia a experiência de estar do outro lado da caneta.
“É bem interessante ser entrevistado e mudar minha relação com o jornalismo, posso ser mais autêntico e entendo agora a posição dos especialistas entrevistados – não que eu seja um, mas posso falar com paixão sobre algo que gosto”.
O outro lado da moeda
Não cheguei a conhecer Daniel Quandt na Escola de Comunicações e Artes, mas descobri sua história – que, oposta à de Kaique, veio de outro curso na USP, Astronomia, para ingressar no Jornalismo, onde se formou em 2017.
Daniel e Kaique, personagem que abre esta reportagem, têm mais em comum do que apenas a passagem pela ECA: eles fazem parte da estatística sub calculada de estudantes que trocam de curso durante a graduação.
Os últimos dados disponíveis, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que 56% dos alunos que entraram no ensino superior em 2010 não se formaram no curso original.
A porcentagem, que equivale a cerca de 1.392 milhões de pessoas, não especifica quantos desses estudantes não se formaram por trocar de curso ou por abandonar totalmente a faculdade.
Daniel Quandt, atualmente com 24 anos de idade, tinha apenas 18 quando entrou na USP pela primeira vez. Em 2013, foi aprovado no Instituto de Astronomia e Geociências e mudou-se de Curitiba, Paraná, até São Paulo para começar a graduação.
Naquele ano, eu ainda estava no oitavo do Fundamental e também era fascinada pelos mistérios do céu. Pensava em cursar Astronomia. “Durante o Ensino Médio eu não tive tanta preocupação com o vestibular e também não havia pressão da família para escolher o que iria fazer até que chega a hora da inscrição. Astronomia era o que me atraia na época, era sobre o que eu lia a respeito, então foi minha escolha já que algo precisava ser escolhido”.
Rumo ao jornalismo
Conforme as listas de exercício se acumulavam e as disciplinas ficavam cada vez mais complexas, Quandt percebeu que talvez não tivesse feito a melhor escolha. “Não estava preparado para o tanto de trabalho necessário para acompanhar as aulas. Sempre fui o tipo de pessoa que não precisava estudar muito, não tinha hábitos de estudos e se virava bem só assistindo às aulas. Quando entrei no IAG, ficou claro que isso não ia funcionar mais”.
Na altura do início do 2º semestre, quando começam as inscrições para o vestibular, o estudante estava decidido a trocar de curso. O aspecto mais assustador de abandonar um curso e entrar para um novo, imagino eu, deve ser encarar mais uma vez o vestibular, com toda pressão e horas de estudo incluídas.
Nesse ponto, os dois entrevistados discordam de mim, concordando que é muito mais simples fazer o vestibular depois de ter sido aprovado uma vez. Quanto a Quandt, no ano seguinte entrava para o Jornalismo.
“Percebi que não era exatamente de realizar a produção científica que eu gostava e sim da comunicação da ciência. Admirava comunicadores que conseguiam transmitir conceitos da ciência sem precisar fazer cinco semestres de cálculo para conseguir acompanhar a pesquisa”.
Formado em Jornalismo, não trabalha em redações, mas com pesquisa e análise de dados do mercado de inovação. “Não planejei muito a minha vida e acabei num lugar que gosto, sempre segui esses instintos e curiosidades de conhecer áreas diferentes. Não é o fim do mundo se você fez a escolha errada, então não se prenda ao que escolheu aos 17 ou 18 anos. Faça optativas em outras áreas, conheça outros lugares. A USP é ótima para expandir seus horizontes, para você conhecer um pouco de tudo e talvez descobrir ou não do que realmente gosta”.
Ainda não descobri se gosto de Jornalismo de verdade ou se pretendo seguir nessa carreira no futuro. Mas, enquanto isso, vou pela graduação produzindo reportagens e avançando semestres, até o diploma. Vejo você, quem sabe, na próxima edição.