EACH de portas abertas

Incubadora Habits é um dos projetos desenvolvidos na Universidade com a ideia de integrar zona Leste e campus

Por Júlia Vieira

Arte: Júlia Vieira

Flávio Oliveira tem 42 anos. Nasceu e foi criado na zona Leste paulistana. Quando criança, a USP era uma ideia distante, tanto geograficamente, quanto pela chance de ser aluno. A vinda da Universidade de São Paulo para a vizinhança foi o que Flávio classificou como algo transformador para todos.

“A construção do prédio para nós foi um grande presente”. Flávio compara a vinda da EACH com o impacto que a Cidade Universitária teve ao redor do Rio Pinheiros.

Após cinco tentativas, ele ingressou na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Antes da última tentativa, conheceu a Habits Incubadora e isso o impulsionou a tentar de novo. Agora, além de estudante, ele é empreendedor.

A Incubadora é um projeto da professora Luciane Ortega. Antes de atuar na educação, trabalhava no mundo corporativo e percebeu que a maioria dos candidatos a empregos não estava preparada. Luciane começou a perceber a importância dos projetos de extensão.

A professora de Gestão em Sistemas Informacionais desenhou a Incubadora pensando na integração com a zona Leste. A proposta vem no nome: Habitat de Inovação Tecnológica Social.

Funcionamento

Uma pessoa ou um grupo leva a ideia à incubadora, que começa sendo discutida. Depois, na fase de pré-incubação, o projeto é colocado em prática, até o protótipo final. Após esse funil, alguns viram incubados, empresas com residência no prédio da Habits.

Ela começou a oferecer mentoria para a comunidade. O curso teve 20 vagas, mais da metade preenchidas por moradores da região recebendo conhecimento empreendedor dos docentes da EACH.

A extensão tem apoio da diretoria e conta com um prédio. O espaço é utilizado para os cursos, aulas, laboratórios, como coworking e sede das empresas que surgiram das ideias de alunos da Escola, ou de vizinhos. Flávio foi um dos que viu sua ideia sair do papel, ser colocada em prática e virar uma empresa de robótica.

“A USP Leste não está aqui à toa, ela tem que refletir em alguma coisa.” A professora responsável pela incubadora quer ampliar os projetos, cada vez mais voltados para a zona Leste. Perguntada se os projetos seriam instalados diretamente na comunidade, Luciane ressalta que é importante trazer os moradores para a EACH, mostrar para eles esse mundo que muitas vezes parece inacessível, como pareceu para o Flávio.

Antes de prestar vestibular, o estudante frequentou aulas do Cursinho Popular da EACH, projeto que ajuda a integrar a USP com a comunidade. A ideia do Cursinho nasceu em 2015, mas não foi fácil implantar. A diretoria só cederia um local caso a entidade tivesse um CNPJ. Após um ano e meio de burocracias, no segundo semestre de 2016 o Cursinho Popular teve sua primeira turma.

Para dar aulas, é necessário passar por processo seletivo. Alunos e docentes de outras unidades compõem o time. As aulas ocorrem todos os dias, de manhã e de noite.

No último ano foram 900 inscritos, porém há apenas 150 vagas. Os alunos são escolhidos por critério socioeconômico. Cerca de 85% dos alunos são da zona Leste. Há estudantes da Ermelino Matarazzo, Penha, Suzano. A gestão conta com 50 alunos divididos em grupos e cargos. Para atingir a comunidade, o Cursinho busca usar as redes sociais e parcerias com instituições.

… mas nem tanto

Apesar de projetos de extensão como Habits Incubadora, o Cursinho Popular e a EACH Social, entidade estudantil que promove eventos, projetos sociais e capacita a comunidade externa, há muito a avançar na relação com o entorno.

Para entrar na EACH pela estação de metrô da USP Leste, é necessário que se mostre a carteirinha de estudante. Segundo representantes do Cursinho que falaram com o JC, são poucos os habitantes do Kera, bairro ao lado da faculdade, que frequentam o Campus.

Uma aluna comentou: “É uma barreira física e psicológica”, diz, ao referir-se à entrada que muitas vezes é barrada. É como se não houvesse estímulo, mas, por meio de projetos como os reportados nesta matéria, muito deles pensado por alunos, a EACH, aos poucos, se torna o que nasceu para ser: uma ponte entre o ensino superior e a zona Leste.

Especial Edição 500

Projeto de criação da EACH

Por Júlia Vieira

Em 21 de maio de 1987, matéria sobre uma Universidade Popular na Zona Leste estampou uma das páginas do Jornal do Campus. O texto conta sobre um movimento chamado Educação na Zona Leste, reivindicando uma Universidade que permitisse o acesso do trabalhador ao ensino público.

“O Movimento de Educação, do qual participam professores, estudantes, parlamentares e moradores, já discutiu algumas propostas: uma universidade normal com vagas garantidas para trabalhadores

JC 46 – Maio/1987

e alunos carentes.”, diz a matéria.

Além disso, também esperava-se que os cursos tivessem currículos adaptados à realidade da região e que os cursos tivessem pouca duração. No entanto, o que aconteceu foi o surgimento de novos cursos que atendessem a demanda atual da sociedade e eles têm a duração de uma graduação tradicional, de quatro a cinco anos.

A ideia do movimento, então, era que a Universidade tivesse vagas reservadas à comunidade mais carente. Hoje, 14 anos após a inauguração da EACH, o campus da Universidade de São Paulo localizado na Zona Leste de São Paulo não atende exatamente às ideias iniciais.

Apesar de se situar na parte da cidade com maior concentração populacional e desigualdade socioeconômica, o método de entrada continua sendo o mesmo vestibular tradicional: provas de conhecimentos gerais e específicos.

Com o ENEM e cotas para estudantes de escola pública, o sonho da década de 80 fica um pouco mais tangível. Porém, de 1987 até 2005, ano em que a USP Leste, como é popularmente chamada a EACH, finalmente foi inaugurada, a ideia do que seria a Universidade mudou um pouco.

“A EACH tem como princípio norteador promover uma forte interação com as comunidades da zona leste.” diz a Concepção Geral da Escola. Na matéria a seguir, o Jornal do Campus mostrará como está esta integração, que justificou a criação da nova unidade.