Texto de rede social cita fechamento; Instituto Butantan nega, depois volta atrás. Afinal, qual era a verdade?
Por Larissa Santos e Maria Paula Andrade
Terça, 28 de maio, 23h42 – O Hospital Vital Brazil (HVB) se torna alvo de polêmica: viraliza post de Facebook de uma médica que trabalha no local. Nele, Christina Terra Gallafrio Novaes afirmava que o Instituto Butantan havia decidido transferir o atendimento do HVB para o Hospital Emílio Ribas.
Na postagem, a médica lembra que o espaço funciona desde 1945, sendo referência nacional e internacional em tratamento de envenenamento por animais peçonhentos. Ele fica localizado no Instituto Butantan, também na Cidade Universitária. A relação entre a pesquisa do instituto e atendimento hospitalar é “indissociável”, nas palavras da médica.
Quarta, 29 de maio, 16h40, 17 horas após a postagem – A revista Fórum publica matéria intitulada “Médica informa fechamento do Hospital Vital Brazil. Secretaria de Saúde não se manifesta”, relatando o conteúdo da postagem de Christina Terra Gallafrio e cobrando resposta do Hospital Vital Brazil. A instituição nega. Em nota, reafirma que “a unida está funcionando normalmente” e nada mudará. Horas mais tarde, a mesma nota oficial é colocada na home do site oficial do Instituto Butantan.
Sexta, 31 de maio, dois dias depois – A notícia sobre o fechamento do HVB chegou nos grandes jornais. A postagem de Christina Gallafrio havia viralizado e os internautas faziam abaixo-assinado direcionado ao secretário de Saúde, José Henrique Germann Ferreira. Até o fechamento desta edição do JC, a petição tinha 10.974 assinaturas.
Segunda, 3 de junho, sete dias depois da postagem – O Instituto Butantan afirma que está estudando a possibilidade de transferência do Hospital Vital Brazil, sem elucidar os motivos. O corpo médico assina carta aberta ao secretário de Saúde e ao diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeus Covas, elencando os motivos pelos quais separar pesquisa e atendimento seriam prejudiciais para pacientes, pesquisadores, médicos e residentes. Entre as questões, debatem o grande tempo gasto para casos de emergência serem encaminhados ao Emílio Ribas, localizado a 6,7 quilômetros de distância, no trânsito caótico de São Paulo.
Alguns dos motivos que contrariam a decisão de transferência citados na carta do corpo Clínico do HVB:
• Perda do atendimento rápido: os pacientes que procurarem o HVB terão que ser transferidos para o Hospital Emílio Ribas, a 6,7 km de distância;
• Integração: a pesquisa do Instituto Butantan está intrinsecamente ligada ao hospital;
• Eficiência: integrado ao SUS, o HVB consegue internar todos os casos necessários, exceto os que precisam de UTI;
• Especialização de médicos: o Hospital reúne alunos de faculdades nacionais e internacionais, que perderiam
Por que fechar o hospital?
Em entrevista ao Jornal do Campus, a assessoria do Instituto Butantan afirmou que a informação que circulou nas redes sociais era apenas uma discussão aberta pela diretoria do Instituto e do Hospital Emílio Ribas, não havia nada de concreto.
A motivação para a mudança seria a falta de leitos de UTI do Hospital Vital Brazil e o fato das vagas de internação disponíveis não constarem na Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde (CROSS). Segundo a assessoria, a mudança para o Emílio Ribas sanaria essas necessidades.
No entanto, um funcionário do Hospital Vital Brazil, que não quis se identificar, afirmou que a transferência estava acertada e que alguns médicos foram avisados da decisão. Alegou também que a falta de UTI não justifica a transferência: mais de 90% dos casos atendidos não necessitam de UTI. Quando necessário, o HVB tem parceria com o Hospital Universitário (HU) da USP, também na Cidade Universitária, onde são acolhidos pacientes graves e realizados exames.
Segundo o funcionário, a diretoria voltou atrás após forte repercussão negativa da decisão. Além disso, ele conta que o corpo clínico só pode falar com a imprensa através da assessoria, e que a assessoria do Instituto vem barrando pedidos.
Perguntada, a assessoria negou. O Instituto Butantan reiterou que o atendimento aos acidentados continua normalmente, 24 horas por dia. “A população vai continuar contando com o serviço”, garantiu a assessora Adriana Matiuzo.
Marcelo Nóbrega Litvoc, coordenador da residência médica de infectologia do Hospital da Clínicas (HC), ratificou a qualidade de ensino do Hospital Vital Brazil. Ele conta que é o estágio extracurricular de infectologia mais bem avaliado pelos residentes do HC. Para ele, transferir o atendimento para o Hospital Emílio Ribas “afetaria a qualidade de ensino e assistência e dificultaria a concentração dos casos”.
Para Gerson Salvador, diretor do Sindicato do Médicos de São Paulo (Simesp), “o real motivo para fechar o Vital Brazil é poupar recursos financeiros”. E completou: “Se isso custar a vida das pessoas, parece não fazer diferença para o governador”.
O Hospital Emílio Ribas informou que a secretaria da Saúde era a responsável por responder sobre a transferência do HVB. A secretaria, por sua vez, encaminhou a reportagem à assessoria do Instituto Butantan, novamente. O diretor do Instituto, Dimas Tadeu Covas, está fora do Brasil. O motivo para a transferência permanece nebuloso.
Especial Edição 500
“Toma lá dá cá” do Vital Brazil é realidade desde os anos 90
Por Maria Paula Andrade
Quando pensamos no Instituto Butantan, automaticamente imaginamos cobras, aranhas e escorpiões peçonhentos. Também é o primeiro lugar em que queremos ir quando somos picados por animais venenosos. O que não pensamos é que há mais de 20 anos o Hospital Vital Brazil (HVB) vive de incertezas, conforme a cobertura do Jornal do Campus já mostrou.
Ainda nos anos 90 existia a ideia de transferir o HVB para outros centros de infectologia, como o Hospital Emílio Ribas. Uma matéria do JC de 15 de outubro de 1995 trazia uma pauta muito semelhante à desta edição. Apesar da matéria não se concretizar e o Hospital continuar com o atendimento de pacientes acidentados por animais peçonhentos até hoje, seu futuro sempre esteve ameaçado.
Desde aquela época o HVB já era visto como centro de referência do país para tratar esses acidentados. Com dez leitos, o funcionamento 24 horas garante atendimento emergencial a todos.
O curioso é perceber que os possíveis motivos alegados na época são os mesmos. As justificativas para não fazer a transferência, também.
E nesse “toma lá dá cá”, quem sofre costuma ser a população e a pesquisa acadêmica. Dessa vez não foi — e nem continua sendo — diferente.