Flexibilidade de horários e ausência de deslocamentos facilitam a inclusão de disciplinas optativas na grade

Período de aulas remotas permite que estudantes da USP procurem disciplinas em institutos e campi que não conseguiriam na “vida normal”

 

por Gabriela Caputo

Arte: Mariana Catacci

 

A primeira interação de matrícula do segundo semestre teve início no dia 13 de julho. Dias antes, porém, estudantes da USP dos mais variados cursos e institutos já estavam trocando informações e experiências no grupo Optativas USP, no Facebook. O grupo conta com mais de 17 mil membros e é um espaço para que os estudantes encontrem disciplinas optativas fora de seu curso de origem, através de recomendações de outros alunos.

Devido à pandemia do novo coronavírus, a USP teve aulas e outras atividades presenciais suspensas em 17 de março, e teve de se adaptar com aulas a distância. Neste período, a ausência de deslocamentos e a flexibilidade de horários têm sido determinantes para a configuração da grade curricular dos alunos. Muitos estudantes aproveitaram o momento para cursar disciplinas em horários e institutos que não conseguiriam no cenário normal, em que a rotina é mais definida. Além disso, muitos professores acabaram por aceitar uma quantidade maior de alunos do que normalmente absorvem em suas aulas. No cenário, se destacam as disciplinas optativas.

As disciplinas optativas são um ponto importante dentro da grade curricular da graduação, por permitirem que os alunos experienciem outros cursos e áreas do saber. Contemplam a interdisciplinaridade e a integração entre os institutos, aspectos essenciais em uma Universidade com as dimensões da USP. Cada curso apresenta em seu currículo uma determinada quantidade de créditos em disciplinas optativas que o aluno deve cumprir, distribuídas entre disciplinas optativas eletivas e disciplinas optativas livres.

Em quarentena, alunos buscam por disciplinas em campi que não poderiam frequentar na rotina usual

A quarentena decretada na cidade de São Paulo levou ao cancelamento das atividades presenciais em universidades e em um grande número de empresas, cujos funcionários passaram a trabalhar em casa. Esse é um fator de peso para os alunos que já trabalham ou estagiam pois, embora certo rigor na rotina seja esperado, muitos acabam conseguindo flexibilizar os horários entre atividades cotidianas, como por exemplo entre aulas da graduação e estágios.

Outro ponto fundamental é que, com a ausência de deslocamentos, muito tempo é economizado. A pesquisa “Viver em São Paulo: mobilidade urbana”, realizada pela Rede Nossa São Paulo e pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), divulgada em setembro de 2019, atestou que o tempo médio gasto pelos habitantes da capital em seus deslocamentos diários era de duas horas e 25 minutos. No ano anterior, 2018, esse deslocamento médio era de duas horas e 43 minutos.

Muitos alunos da USP — talvez a maioria deles — gastam muito tempo em seu deslocamento até a Universidade, e depois no retorno para suas casas. O campus do Butantã, por exemplo, fica um pouco isolado, e o acesso, em termos de mobilidade, não é tão simples. Além disso, trata-se de uma região da cidade muito distante da maioria das outras zonas.

Allanis Carolina é aluna do segundo semestre de Editoração, da ECA, e se matriculou em disciplinas da Each, localizada na Zona Leste de São Paulo, e da Faculdade de Direito, no Largo São Francisco, no Centro da capital. Caloura, desde o início do ano Allanis já considerava pegar matérias optativas quando pudesse, pois estava muito animada. “Mas eu só pensava nas da Cidade Universitária mesmo, porque como moro longe seria inviável pegar em qualquer outro campus. Teria que ser no horário noturno, mas isso é meio paradoxal; também não daria para pegar pois seria perigoso devido ao horário”, conta.

Allanis diz que procurou optativas de todos os institutos e campi possíveis, tendo como critério justamente priorizar matérias que, se fosse presencialmente, seria impossível cursar: “No contexto de agora, quando fui pesquisar as optativas pouco levei em consideração os horários, exceto quando batia com horário de aulas [da grade obrigatória], já que o tempo de transporte e locomoção não eram mais um problema para mim”. A Each fica a três horas de distância de sua casa, e voltar da Faculdade de Direito de noite também tornaria complicado seu deslocamento na volta.

Mesmo com uma carga alta de disciplinas obrigatórias, a aluna de Editoração escolheu pegar duas optativas porque queria ocupar seu tempo livre. “Neste período de isolamento, quanto mais tempo eu fico desocupada, mais fico ansiosa”, afirma.


Simulação de percurso entre a Faculdade de Direito e a Cidade Universitária. Os serviços de transporte público podem ter sido afetados pela pandemia, com uma circulação menor de pessoas e tempo de deslocamento mais curto em alguns pontos da cidade. Imagem: Google Maps

 

O percurso contrário também foi frequente entre os estudantes. Rafaella Oliveira, aluna do sexto semestre de Têxtil e Moda, curso da Each, optou por se inscrever em matérias do campus Butantã, uma na FEA e outra na ECA. “Eu não pegaria as matérias na minha vida normal porque a Each é muito longe de lá, e as duas disciplinas são no noturno, até às 11 da noite. É muito inviável para eu voltar de lá nesse horário”, conta Rafaella, que estuda no período matutino. “Sempre tive vontade de fazer matérias no Butantã, só que isso sempre me inviabilizou. Seria uma rotina difícil, pegar tantas horas de transporte público só para fazer uma ou outra disciplina.”

Se os alunos já eram impossibilitados de frequentar diferentes campi dentro da mesma cidade, a ideia de cursar disciplinas em um campus de outro município era praticamente inexistente. Mas, no período de aulas remotas, oportunidades novas surgiram.

Nicolas Oliveira está no oitavo semestre do curso de Educação Física da Each e se inscreveu em uma optativa da FEA de Ribeirão Preto. “Do meu círculo de amigos e colegas de sala também percebi que aproveitaram o momento atípico e pegaram disciplinas além das ministradas na capital, e tendo contato com o grupo de optativas no Facebook, vi que praticamente todos os demais alunos também foram por este caminho, aproveitando que não precisariam se deslocar para assistir às aulas”, observa.

Inversamente, Isabella Caribé, aluna do décimo e último semestre do curso de Direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP), está cursando optativas da ECA, dos cursos de Audiovisual e Relações Públicas. Ela já tinha completado todos os créditos de optativas necessários para se formar, mas viu no período de aulas remotas a oportunidade de cursar disciplinas do campus Butantã que sempre teve vontade, mas que nunca teria sido possível em outro cenário. “Sou originalmente de São Paulo e em todos os anos de graduação eu sempre tive amigos do campus da capital contando sobre como era legal fazer optativas livres em outros institutos e sobre como isso podia aproximar o curso de Direito, que é super teórico, de outros conteúdos que a gente tem interesse, que permitem expandir mais a criatividade e o senso crítico”.

Ela relata que, dentre tantos problemas e limitações devido às aulas remotas, o único ponto positivo foi conseguir cursar tais matérias. A estudante quis usar a oportunidade para aprender sobre temas de áreas que gosta muito: “Já tinha adiantado todos meus créditos para formar, então estou fazendo essas duas matérias porque quero, sem nenhuma intenção de alcançar notas ou créditos.” Quanto ao oferecimento de optativas de outros campi, no formato remoto, ela opinar que “se isso continuasse mais para frente, acho que seria super bacana, muita gente pensaria um pouco mais a respeito”.


Simulação de percurso entre a Each e a Cidade Universitária. Os serviços de transporte público podem ter sido afetados pela pandemia, com uma circulação menor de pessoas e tempo de deslocamento mais curto em alguns pontos da cidade. Imagem: Google Maps

 

Com maior liberdade para organizar a grade, estudantes aproveitam para tirar atrasos ou adiantar matérias

Outra possibilidade trazida pelo período foi a de adiantar matérias de semestres posteriores ou de recuperar atrasos em matérias em que se havia pego dependência, por conta da suspensão dos pré-requisitos na maioria das unidades. Gabriela Kind está no sexto semestre de Física e conta que estava atrasada em relação ao tempo ideal do curso. “Têm duas matérias obrigatórias da minha grade que eu precisaria ter Cálculo II feita para poder cursar. Mas estou cursando a disciplina somente neste semestre, e por conta do EAD eles deixaram cursar junto”, explica.

Gabriela diz que estava atrasada em um ano no curso, por conta de duas DPs que teve no primeiro semestre, mas que agora vai conseguir se formar no tempo certo. “A Física é um curso bem complicado, o que tem maior desistência na USP, muita gente vai acumulando dependência, atrasando o curso e acaba desistindo ou nem se formando”, conta. “Muita gente aproveitou bastante para tentar deixar a grade em ordem com essa falta de requisito”.

A aluna de bacharelado e licenciatura em Química, Patricia Kaori Miura, também viu alguns benefícios quanto à liberdade de organização da grade: “Quando chega o período de matrícula, você tenta montar uma grade funcional, com aulas próximas em locais próximos para facilitar, e isso acaba sendo uma barreira para cursar certas matérias. Com o modelo remoto, isso já não pesava na hora da escolha da grade. Houve uma maior liberdade de escolha das disciplinas a serem cursadas.”

Para ela, outro ponto positivo foi poder cursar matérias extras do próprio curso: “Desde que entrei pensava em cursar com a ênfase em Química Ambiental, oferecida apenas no noturno. Entretanto, por ser do integral, sempre tinha um pé atrás de puxar matérias da ênfase por ter que ficar no Instituto até às 23 horas e no dia seguinte chegar às oito horas da manhã, seria muito cansativo. Sem contar com o perigo de retornar para casa tão tarde.”

A terceira observação feita por Patrícia é que, por residir fora do estado de São Paulo e estar cursando o período remoto ao lado da família, não precisa cuidar de todos os afazeres da casa. “Isso, somado às horas que seriam gastas em transporte dão quase cinco ou seis horas por dia a mais de estudos. Pude também cursar mais matérias que o habitual.”

Para alunos de optativas, ambiente on-line traz certos confortos, mas também perdas

“Acho que não teria tanta coragem, sendo caloura, de aparecer em uma aula sozinha com um monte de gente desconhecida”, relata Allanis. “Mas, ao mesmo tempo, sinto que a troca que teria se fosse presencial seria muito maior e as disciplinas seriam mais proveitosas.”

Rafaella sente que o formato on-line facilita para fazer perguntas ao professor. “Às vezes você tem vergonha de perguntar e é muito mais fácil só mandar no chat, o professor responde na hora, ninguém nem sabe quem você é, então é muito tranquilo”.

Já Isabella diz ficar um pouco frustrada com a limitação de contato com os outros alunos e até com os professores. “Sendo de um campus de fora, eu sinto falta de um pouco mais de contato com pessoas de que poderia me tornar amiga. Achei a galera da turma de Relações Públicas incrível, mas não tem como você ter aquela conversa de intervalo, tomar café, ou sair da aula conversando e trocando uma ideia, uma experiência.”

Dia a dia com interação presencial em sala de aula faz falta para alunos de optativas. Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

 

Como fica a organização dos professores?

Alunos têm relatado que, no período remoto, alguns professores passaram a aceitar mais requerimentos, ou seja, solicitações para cursar a matéria, e absorveram mais alunos em suas turmas. Um exemplo é a disciplina Gestão de Políticas Públicas em Perspectiva Comparada (América Latina), uma optativa do curso de Gestão de Políticas Públicas da Each, ministrada pelo professor Wagner Iglecias.

O professor conta que houve aumento significativo na quantidade de alunos interessados: suas optativas geralmente têm cerca de 40 matriculados por turma, número que neste semestre dobrou, chegando a 80 matriculados. Ele também notou maior diversidade em relação aos cursos de origem dos alunos de optativa: “Antes a disciplina era procurada apenas por estudantes da Each. E na sua grande maioria, uns 80%, por graduandos em Gestão de Políticas Públicas. Era raro receber estudante de outras unidades da USP, embora já tenha ocorrido. Mas agora a diversidade é muito maior: recebi inscrições de alunes da FEA, ECA, FAU, FD, FFLCH e até mesmo Poli e do pessoal das Biomédicas.”

Wagner analisa como positiva a quantidade e diversidade em suas turmas de optativas, pois cada aluno traz sua trajetória e olhar únicos, enriquecendo o debate. Sobre absorver mais alunos na matéria, diz: “Não diria que há nada de negativo nisso, embora ache que minha responsabilidade aumentou agora que estamos recebendo tantos estudantes de tantas formações diferentes, pois preciso ser mais didático para poder transmitir conhecimento e debater com pessoas que não têm o mesmo perfil dos meus estudantes tradicionais. Mas isso é interessante também, pois é um desafio e um estímulo.”

Outro exemplo de disciplina que absorveu grande quantidade de estudantes no período é “Empreendedorismo e Inovação”, da FEA. Andres Rodriguez Veloso, professor responsável pela disciplina, relata: “A procura para fazer a disciplina sempre foi grande, mas restrições de sala de aula impediam que tivéssemos mais de cem alunos. Com a pandemia e as possibilidade de dar aulas por Zoom, aumentamos as vagas para 550”. Dentre as 150 vagas para alunos da FEA e 400 para outras unidades da USP, estão com quase quatrocentos alunos inscritos na matéria, de diferentes cursos, unidades e cidades.

Ele também explica que a equipe conta com mais três professores — Leonardo Gomes, Liliam Carrete e Guilherme Shiraishi. No formato presencial, a disciplina era dividida pelos professores, entre aulas individuais e compartilhadas. Agora, todos participam das aulas para gerenciar o atendimento aos alunos. “Certamente a carga de trabalho se multiplicou”, afirma.

O professor destaca a importância da interdisciplinaridade na formação dos alunos e acrescenta: “Provavelmente continuaremos com a disciplina no formato Zoom a partir de agora para permitir a participação dos alunos de toda a USP”.

Rafaella, que é uma das alunas vindas de fora da FEA, está gostando da oportunidade de cursar uma matéria com essa abrangência. “Tem muito aluno, realmente nunca ia ter essa dinâmica que a gente está tendo agora em outro momento”, diz. “Os professores estão fazendo uma grande estrutura. É um pouco complicado e confuso para eles também, porque é muita coisa para administrar, mas eles conseguiram dar a chance de fazer essa matéria para muita gente.”

Ao contrário de algumas disciplinas optativas que absorveram mais estudantes do que o costume, uma terceira matéria, Temas e Prática em Relações Internacionais, do IRI, teve de reduzir o número de alunos aceitos durante o período de aulas digitais. Segundo a equipe de coordenação, formada pelos docentes Jacques Marcovitch e Pedro Dallari, além de três assistentes, alunos de mestrado, a disciplina havia crescido entre 2018 e 2019, com aumento de 247 para 342 alunos, de diferentes unidades da USP. “No momento temos 141 alunos da graduação e 8 da pós-graduação regularmente matriculados”.

O curso oferece encontros com profissionais de destaque no campo das relações internacionais. Por conta da grande interlocução entre palestrante e aluno, foi decidida a redução o número de matriculados. “Apesar do contratempo exposto, um dos objetivos da disciplina, que se trata do intercâmbio de diferentes conhecimentos, se manteve”, afirmam. “Mesmo com a redução de 57% do número de alunos, a disciplina continuou com uma ampla variedade de alunos de diversos cursos, contento atualmente 12 diferentes unidades.” Dos alunos matriculados, ressaltam a presença de um aluno da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto e também “a pluralidade de regiões brasileiras nas quais os alunos se encontram, variando desde municípios do Rio Grande do Norte até Paraná”, situações facilitadas devido ao período online.

Valorização de disciplinas da Each-USP

O professor Wagner Iglecias também ressalta que ter uma quantidade grande de alunos de outras unidades da USP matriculados demonstra que o desconhecimento enfrentado pela Each nos primeiros anos não existe mais, e os cursos e disciplinas estão sendo cada vez mais valorizados. Além disso, reflete: “Talvez houvesse, já há alguns anos, uma demanda reprimida, por parte de alunos de outros campi, pelas disciplinas optativas da Each.”

Alunos no campus da EACH. Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

 

Ele entende que os deslocamentos pela cidade são complicados e talvez esse fosse um fator desestimulante para a inscrição nas disciplinas presenciais, ainda que houvesse tal interesse. “A quarentena e as aulas virtuais acabaram favorecendo que muita gente pudesse finalmente cursar estas disciplinas”, completa.