Grupo da Poli expande os limites de seu conhecimento ao desenvolver e construir foguetes mesmo sem um curso de especialidade na área
por Letícia Cangane
Foto: Adriano Antongiovanni
Dentro dos inúmeros grupos de extensão da USP, um se destaca por sua característica peculiar: os projetos desenvolvidos não estão diretamente relacionados a nenhum curso oferecido. Ao contrário, o grupo conta com a multidisciplinaridade e a pluralidade do conhecimento de seus membros para ganhar destaque internacional em competições e ampliar os horizontes dos alunos. Da Escola Politécnica para o espaço sideral, o Projeto Júpiter lança muito mais do que foguetes.
As facetas do Projeto Júpiter
O Projeto é composto por uma equipe de foguetemodelismo que surgiu, em 2015, a partir do PET Mecânica, um programa patrocinado pelo Ministério da Educação que apoia o tripé de ensino, pesquisa e extensão. Dentro do grupo, surgiu a ideia de construir um foguete para participar de uma competição nos Estados Unidos. Na época, uma equipe de sete pessoas construiu tudo do zero, originando, mais tarde, o Júpiter, que se tornou um grupo de extensão separado do PET.
O grupo foi crescendo ao longo do tempo. Em 2018, era composto por 40 pessoas. Atualmente, 84 estudantes integram o projeto, tendo chegado ao número de 90 alunos no início de 2020. A iniciativa inclui alunos da graduação e da pós-graduação de todos os cursos da Poli, além de cerca de um quinto dos membros vindos de outros institutos, como o Instituto de Física (IF), o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), o Instituto de Matemática e Estatística (IME) e até mesmo a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Atualmente, o grupo é composto por 22% de mulheres, índice maior que o da própria Escola Politécnica, que conta com 17% de estudantes do sexo feminino.
Fernanda Quelho, aluna do segundo ano de Engenharia Mecatrônica e capitã da equipe, conta que, apesar de a Poli não ter o curso de Engenharia Aeroespacial ou Aeronáutica — habilitações mais focadas no desenvolvimento de espaçonaves —, a Escola oferece uma gama muito grande de cursos. Por conta disso, o grupo consegue ter diferentes tipos de conhecimentos e abordagens, com cada membro agregando em uma parte. A diversidade, segundo a capitã, é o ponto chave do projeto.
No início, o grupo era composto apenas por estudantes da Poli. Com o tempo foram surgindo alunos de outros institutos, principalmente da Astronomia, o que trouxe uma perspectiva muito diferente ao Júpiter. “Quando você tem pessoas de diversos cursos, essa pluralidade dá uma nova visão para os mesmos problemas, e ajuda bastante no desenvolvimento. Mesmo não tendo Engenharia Aeroespacial em si, tem Mecânica, Mecatrônica, Astronomia, e tudo isso compõe o que a gente precisa”, aponta Fernanda.
A estudante explica que, muitas vezes, os alunos não aprendem o conhecimento específico aplicado em foguetes, mas estudam bastante a base conceitual por trás deles. Ou seja, o conteúdo é apresentado de forma genérica, como pode ser aplicado em diversas situações. O trabalho dos membros do Projeto Júpiter é pegar esse conhecimento bruto e transpô-lo ao contexto do foguetemodelismo.
A pesquisa também é parte integrante do processo de desenvolvimento, principalmente no início do grupo. Hoje em dia, os membros se esforçam para documentar as descobertas e passar o conhecimento a todos os integrantes, suprindo assim a falta da Engenharia Aeronáutica ou Aeroespacial. “A galera se impressiona bastante. Existem faculdades que têm o curso e apresentam um nível de desenvolvimento muito parecido com o nosso”, completa a líder.
Lançando foguetes
O projeto é organizado em seis áreas e três comissões, cada uma com conhecimentos e funções específicas. São quatro áreas técnicas, que cuidam do foguete em si, e duas áreas administrativas, que cuidam das outras funções no projeto. Já as comissões existem para suprir demandas que faltam nos projetos. Basicamente, as áreas técnicas são divididas em dois campos de pesquisa: um que busca inovações e possíveis aplicações ao projeto — pesquisam o que outras equipes internacionais estão fazendo; como a Nasa projeta os foguetes; e como aplicar as ideias no Júpiter — e outro que executa o projeto — cuida da fabricação e dos testes dos componentes do foguete.
Arte: Gabriella Sales
Quando a atividade presencial está funcionando normalmente, a equipe fabrica tudo: desde a carcaça do foguete até os equipamentos eletrônicos de seu interior, que controlam os eventos ocorridos durante o voo. Isso é um diferencial nas competições internacionais, já que, no exterior, as equipes costumam comprar muitos componentes utilizados em seus modelos.
O Projeto Júpiter costuma lançar três foguetes por ano: dois em competições e um em testes. Este é lançado em parceria com a USP de Pirassununga e com o apoio da Força Aérea como uma prova de conceito, para testar os equipamentos que serão implementados no foguete de competição. O projeto principal é o que vai para a Spaceport America Cup (SA Cup), nos Estados Unidos. Desde 2019, participam também da Latin America Space Challenge (Lasc), que acontece no Brasil.
No ano passado, o foguete usado na LASC foi nos moldes do projeto menor, do lançamento em Pirassununga, mas na próxima edição seguirá o estilo do foguete maior, como o usado na competição estadunidense, conta Breno Loscher, estudante do terceiro ano de Engenharia da Computação e gerente de marketing da equipe. Segundo os membros da equipe, o Projeto Júpiter normalmente fica bem colocado nas competições em que participa, principalmente considerando a ausência do curso de Engenharia Aeroespacial.
No começo da pandemia, foi um choque para a equipe, já que estava tudo preparado para competições em junho e agosto — ambas canceladas. A solução encontrada foi interromper a produção e continuar os trabalhos conceituais a distância, aperfeiçoando o projeto do foguete para competições internacionais. Além disso, o grupo aproveitou a quarentena para capacitar os membros, principalmente os que acabaram de ingressar. Assim, garantem que os alunos tenham a melhor experiência possível, já que nem sempre há tempo para passar todo o conhecimento. Fizeram também uma hackathon — algo como uma maratona de programação e desenvolvimento — interna, o que gerou bons resultados de desenvolvimento para o projeto.
Alçando voo
O grupo de extensão proporciona aos alunos que apliquem conhecimentos práticos muito antes do que a graduação oferece. Esse fator facilita bastante a compreensão da parte teórica das disciplinas ministradas, uma vez que torna os conceitos palpáveis aos estudantes e fomenta o interesse pelo conteúdo, mantendo o engajamento no curso. Fernanda e Breno também enfatizam que a prática de outros ramos da Engenharia, diferentes do seu curso de origem, são muito importantes, o que reflete o caráter multidisciplinar dos conhecimentos aplicados e torna a formação dos futuros profissionais mais completa.
O grupo de alunos do Projeto Júpiter vai até o deserto, nos Estados Unidos, para fazer o lançamento do foguete em competição. Os membros contam que esse momento de adrenalina define o sentimento da atividade. Foto: Breno Rocha
Engenharia é um trabalho de equipe. Breno comenta que estar no meio de pessoas com um objetivo em comum tentando realizar alguma coisa faz muita diferença. Fernanda concorda, e diz ainda que “o Projeto Júpiter não é só sobre construir foguetes, é sobre as pessoas. O que importa não é o resultado, e sim as pessoas que estão lá e como elas vão conseguir trazer esse resultado. Não queremos ter o melhor foguete, queremos ter o melhor time”.
“Uma coisa muito curiosa aconteceu quando fomos apresentar um projeto para o nosso principal patrocinador. Os entrevistadores da banca perguntaram sobre a realização dos trabalhos sem o curso de Engenharia Aeroespacial. Na hora que fui responder, um outro entrevistador da banca, que era ex-professor da Poli e já conhecia o projeto, falou que já éramos muito conhecidos na Poli e que a gente conseguia aplicar o desenvolvimento necessário mesmo sem ter o curso. Acho que essa visão do Júpiter acaba chegando nos departamentos da Poli, na USP, e os próprios docentes veem que tem gente interessada em desenvolver, que conseguem fazer mesmo sem o curso específico. Acho que isso pode ajudar a abrir um espaço para a área na Poli”, finaliza Fernanda.