Como é a trajetória de uma professora da USP?

A professora Rejane Vecchia de Literaturas Africanas em Língua Portuguesa na FFLCH narra sua vida profissional desde o fim de seu ensino médio até a docência na USP

por Caroline Kellen

Foto: Rosiane Lopes/ JC

A escola e seus familiares te incentivaram a cursar uma graduação?

Fazer uma graduação era algo que sempre esteve no meu horizonte futuro, e eu diria que não só meu, mas penso que no horizonte de muitas pessoas com quem estudei, pois, naquela época, muitos outros pais, assim como os meus, costumavam ressaltar a importância do diploma, tipo única herança possível. Eu também tive uma condição privilegiada de só estudar, embora sempre em escola pública, tendo, somente no finalzinho do ensino médio, como bolsista, conseguido estudar em uma escola particular. E a graduação tinha que ser em uma universidade pública, porque, sobretudo, meus pais não tinham condições de pagar nenhuma particular.

Como foi o início dessa trajetória acadêmica?

Com 17, 18 anos, ingressei em Letras na Unesp de Araraquara e, após concluir o curso, como eu já tinha alguma condição de sair de casa, porque podia trabalhar, então, eu vim para São Paulo e comecei a cursar História aqui na USP. No último semestre do curso de História, prestei o mestrado e direcionei meu tema para as Letras, sendo orientada pelo professor Benjamin Abdala Júnior, e também, na altura, fui aluna da professora Maria Aparecida Santilli. Esses dois docentes são duas grandes referências para mim porque eles têm uma reflexão muito interessante entre literatura e história, onde eu me encontrei, o que reflete no meu mestrado e doutorado. E durante esse período lecionei, principalmente, em um Cursinho e em um colégio particular, nas turmas do nono ano e do ensino médio.

Nesse meio tempo você já dava aulas?

No início, como estudante ainda de História, dei aulas em colégio público e fui construindo minha experiência como professora ao longo dos anos, primeiro, trabalhando com ensino médio, depois eu cheguei a assumir umas aulas para trabalhar com fundamental 1, mas não deu certo, aí eu pensei “não, esse não é o meu perfil e a faixa etária que quero trabalhar”. Depois, dei aulas em Cursinho e, em seguida, fui para um colégio particular onde trabalhei com o que hoje é o nono ano e com o ensino médio, ou seja, fiquei entre os adolescentes de 14, 15 e 16 anos por um tempo, e vale dizer, uma experiência completa de trabalho e de vida. Houve momentos em que não assumi nenhuma aula porque fui bolsista da FAPESP e da Capes no período do mestrado e do doutorado. Mas antes e depois sempre estive em sala de aula!

Nesse momento você já almejava querer ter uma carreira de professora na USP ou já tava satisfeita ali?

Em 2002, fui morar na Bahia e isso mudou muito o rumo da minha vida profissional, pois lá fui aprovada em um concurso para professor substituto na área de Literatura Portuguesa na Universidade Federal da Bahia . E encontrei ali, eu digo para você, o meu chão e um sentido para o trabalho que eu viria a desenvolver com as literaturas africanas. Na UFBA toda a conjuntura que eu encontrei, sobretudo, relacionada aos alunos e aos colegas , me ajudou a pensar a universidade pública e seus conteúdos. E aí eu fui entrando nessa seara mesmo, das literaturas africanas, que é a que eu trabalho, desde então. Esse contexto foi, aos poucos, consolidando a vontade de permanecer em uma universidade pública.

Foto: Rosiane Lopes/ JC

E quando você começou a trabalhar na USP?

Chegou um momento da minha vida pessoal que precisei voltar para São Paulo, e foi quando me inscrevi para o concurso da área de Literaturas Africanas, para seguir o trabalho que havia iniciado na UFBA e que queria muito continuar desenvolvendo. Esse concurso foi em 2006 e em 24 de janeiro de 2007 foi quando comecei oficialmente aqui na USP, onde estou até hoje, e penso que vou seguir, se tudo der certo, até a aposentadoria.

Como é a sua experiência de docência aqui? E como foi na UFBA?

A docência, tanto na USP quanto na UFBA, me permitiu observar, em primeiro lugar, o grande interesse por parte de muitos alunos pelos conteúdos relacionados às Literaturas Africanas em Língua Portuguesa, porque são literaturas que acionam uma reflexão ampla, que conjuga essas literaturas com os campos das Ciências Sociais e Humanas, ampliando o campo de visão político e histórico daqueles países (e do Brasil), o que é sempre muito interessante e fundamental. No entanto, isso não significa que ao trabalhar essas literaturas você direcione exclusivamente para isso, é sempre bom lembrar que o texto literário fala por si embora traga, de forma inevitável, esse conjunto de reflexões. Portanto, tanto na USP quanto na UFBA, encontrei as possibilidades de trabalho que fortaleceram uma compreensão cada vez maior das Literaturas Africanas.

Como você enxerga o mérito recebido pelos professores da USP, principalmente, pela mídia e sociedade?

Eu penso que esse mérito é mérito de todos os professores que atuam nas universidades públicas, eu vejo a USP como esse centro nervoso, pelo tamanho e pelo que produz, em termos de quantidade e qualidade. Mas eu não vejo, melhor, eu não sinto essa questão de “ah eu sou professora da USP”, porque vivendo nas entranhas da Universidade, eu fico pensando que é muito difícil colocá-la em um lugar que não seja muito alinhada às demais universidades estaduais e federais do Brasil. Eu consigo olhar a USP com carinho, porque estou aqui desde a minha graduação em História, eu consigo olhá-la com respeito, porque eu sei que as pessoas que estão aqui trabalham sério. Mas eu penso que tem muita coisa que a USP precisa melhorar para criar condições para que a gente alavanque ainda mais a área da Educação do país, construindo, inclusive, uma interlocução mais sistêmica e sistemática com os nossos colegas que atuam em outros níveis de ensino.

Gostaríamos que você destacasse um aspecto positivo e um negativo de trabalhar como professora na USP.

Eu penso que um ponto negativo é o que parece ser esse projeto de desmantelamento da educação Eu acho que do ponto de negativo seria esse desmantelamento da educação, porque ele reverbera por todos os todas as áreas da docência cotidiana. E, agora um aspecto positivo, que pode parecer paradoxal, é o espaço que temos, ainda que, com algumas carências, de desenvolver a pesquisa. Além da abertura e a liberdade necessárias para que eu possa desenvolver todos os meus projetos junto à graduação, pós e extensão. É um território de trabalho em que eu me movimento a partir daquilo que eu considero fundamental e que me traduzem como docente na tarefa cotidiana de construir a possibilidade de uma transformação efetiva da educação que incida em uma mudança radical da própria estrutura social. 

Foto: Rosiane Lopes/ JC