Carnes e café puxam índices de inflação; especialista aponta mercado aquecido e crise climática como causas

Foto: Davi Caldas/ Jornal do Campus
Por Jenny Perossi*
“Quando as coisas aumentaram eu não tirei o café de imediato, eu tirei a carne”, conta Alice (nome alterado a pedido da entrevistada). A estudante da USP relata que de julho de 2024 até fevereiro, foi a única responsável pelo sustento da família de cinco pessoas. E foi em agosto que “o preço de tudo começou a aumentar”.
Alice não é a única a sentir que a alimentação está cada vez mais cara. Segundo dados da Associação Brasileira de Supermercados, a cesta básica ficou 14,2% mais cara em 2024. As maiores altas foram as dos preços do café, que subiu 39,6%, óleo de soja, 29,2%, e carne, com 25,25%.
A alta do preço foi tão súbita que o motivo do aumento segue uma incógnita para a maior parte da população. Não é por acaso: existe uma miríade de culpados. O professor Luciano Nakabashi, da Faculdade de Economia de Ribeirão Preto da USP, explica melhor.
Preço global
O professor conta que produtos agrícolas são commodities, ou seja, são bens de consumo iguais no mundo inteiro. Uma saca de café arábica será uma saca de café arábica no Brasil ou na Colômbia. Por serem iguais, o preço das commodities depende do cenário global, não só brasileiro, e uma das culpadas pela alta dos preços é a crise climática, que atrasa a colheita de vários países.
“Não é só o Brasil que tem passado por uma redução da oferta por questões climáticas, mas outros países que são produtores também”, argumenta Nakabashi.
“Excesso de chuva, seca, as queimadas do ano passado. E quando a produção de uma commodity lá da Ásia foi afetada, e a gente produz aqui no Brasil, vai afetar o preço”.
Mas em âmbito nacional há outra questão fazendo o preço dos alimentos subir: a produção não estava preparada para o aquecimento do mercado. Segundo dados do IBGE, o desemprego atingiu mínima histórica em 2024 em 14 estados. Em São Paulo, estado com a cesta básica mais cara da federação, a taxa foi de 6,2%. Com mais pessoas empregadas, a tendência é que o consumo aumente. Com mais demanda, e uma oferta limitada por fatores climáticos, a tendência é que o preço dispare.
Estudantes sentem o impacto
Helen Mendes cursa educomunicação na USP e conta que tentou substituir o café pelo chá, que também possui cafeína: “Eu sou viciada em café, tomo todo dia, senão eu começo a tremer, dá dor de cabeça, tudo mais. Com a alta, tive que me virar no chá, que tem um mínimo de cafeína possível para eu não ficar maluca”. A estudante conta que, além do café, outros produtos têm faltado na despensa por causa do preço. “Fiquei 20 dias sem ovo. A carne a gente tá comprando mais porcionada e tudo mais.”
Já o caso de Alice é mais dramático. Com cinco bocas para alimentar e um salário mínimo que recebe em seu estágio, a estudante fez sacrifícios “Primeiro tentei tirar o café, substituir pelo chá, mas não deu certo. Então reduzimos para uma passada de café por dia, antes eram duas.” Para a proteína, o jeito foi migrar para ultraprocessados. “Agosto, outubro e setembro ficamos sem carne. Novembro, dezembro e janeiro foram os meses do hambúrguer. Fevereiro, da linguiça.”
A estudante chegou inclusive a trancar matérias por não ter saúde mental para focar na faculdade. “Estava tão desesperada com medo da minha família cair no ciclo da pobreza que perdi a esperança e a perspectiva”. A situação, contudo, melhorou quando ela começou a receber o auxílio do Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE). O auxílio, para muitos, não é só uma questão de permanecer na Universidade, mas a diferença entre a miséria e uma vida digna.
*Editado por Bruna Correia